quinta-feira, 28 de maio de 2015

A vida secreta de William Shakespeare


O dia 23 de junho é uma das mais jubilosas – e tristes – datas na história literária. É o dia que, em 1564, William Shakespeare nasceu (se você concordar com a razoável suposição de que o nascimento dele precedeu o batizado em três dias), bem como o dia em que morreu, 52 anos depois. 

O dia 23 de abril de 1616 é também a data da morte de Cervantes, mas certamente até mesmo o autor de Dom Quixote teria aceitado de bom grado ser relegado a segundo plano por um homem considerado o maior escritor de todos os tempos.

Shakespeare não nasceu exatamente em uma família ilustre. Seu pai, John, era um próspero fabricante de luvas que às vezes tinha problemas com a lei. Ele foi multado por manter grande quantidade de estrume na frente da casa da família e processado por vender lã no mercado negro. 

Tendo sido uma vez um vereador respeitado, o Shakespeare mais velho viu seu status social declinar gradualmente a um ponto em que sua requisição para um brasão da família foi rejeitada pelo College of Heralds (Congregação de Arautos). Tempos depois, William Shakespeare teria sucesso onde seu pai falhou, escolhendo o lema Non sanz droit (Não sem direito), o que sugere que ele ainda estava furioso pela maneira como o pai fora tratado.

Os detalhes sobre os primeiros anos de vida do bardo são vagos. Aos dezoito anos ele se casou com Anne Hathaway, de vinte e seis anos, que estava grávida de pelo menos três meses no dia do casamento. Em 1585, os Shakespeare já haviam acrescentado gêmeos à família. Por volta dessa época, Shakespeare some do mapa, por assim dizer. 

Há especulações abundantes quanto às suas atividades durante os sete anos seguintes. Alguns dizem que trabalhou como escrivão, jardineiro, cocheiro, marinheiro, tipógrafo ou agiota. Supõe-se até mesmo que tenha passado algum tempo como monge franciscano. Provavelmente jamais conheceremos a verdadeira história.

Shakespeare retorna aos registros históricos em 1592, quando um colega dramaturgo o denuncia na imprensa como sendo “um corvo arrogante, embelezado com as nossas penas”. A observação maldosa indica que o jovem Will já havia alcançado certa medida de sucesso em Londres. Embora as suas primeiras peças talvez pareçam um tanto toscas atualmente, faziam enorme sucesso na época. A renda de bilhetes de comédias lascivas como A Comédia dos Erros e tragédias sangrentas como Titus Andronicus possibilitou que Shakespeare tivesse uma vida de senhor feudal, um objetivo a que ele sempre aspirou.

Ele virava e mexia com negócios imobiliários, emprestava dinheiro a juros e processava para receber de volta, e comprou ações de participação do Globe Theater que ajudaram a transformá-lo num homem rico. Também traía a esposa impunemente, fazia gato-e-sapato dos cobradores de impostos e em geral agia como um homem intocável tanto pela lei quanto pela moralidade burguesa. Não é de admirar por que amamos tanto esse sujeito?

A vida era boa para Shakespeare quando ele se aposentou e retirou-se em sua propriedade em Stratford em 1613, e tem sido boa para ele, no que se refere à reputação literária, desde então. É claro que ainda existe aqueles que afirmam que alguém com tal origem humilde e educação um pouco menos do que estelar não poderia ter escrito peças tão brilhantes, mas em sua maioria estes são malucos como Samuel Taylor Coleridge, Henry James, Charles Dickens, James Joyce e Sir Jonh Gieguld, para nomear apenas uns poucos.

Há até quem afirme que a Rainha Elizabeth I escreveu as peças de Shakespeare, embora como ela conseguiu continuar escrevendo-as depois da sua morte em 1603 ainda permaneça um mistério. O verdadeiro Shakespeare viveu até 1616, quando adoeceu – possivelmente depois de uma bebedeira – e faleceu com a avançada (na época) idade de cinquenta e dois anos.

O que há em um nome?


Como qualquer pessoa que já tenha tentado soletrar algo como “plougth thrugh a trough” poderá lhe dizer, a ortografia em inglês é notoriamente irregular. Na época de Shakespeare era ainda mais caótica. Como resultado, existem mais de oitenta e três maneiras igualmente válidas de se soletrar “Shakespeare”. Shagspere e Shaxberd são apenas duas das mais exóticas.

Até mesmo o próprio bardo tinha dificuldades em manter o sobrenome correto. Ele o assinava de, no mínimo, seis maneiras diferentes e com uma grafia cada vez mais errática: Shackper (num depoimento em 1612), Shakspear (numa escritura de 1612), Shakspere (numa hipoteca de 1612), Shackspere (na primeira página de seu testamento de 1616) e, finalmente, Shakespeare (na página 3 do, você adivinhou, seu último testamento). Pelo menos ele foi chegando mais perto a cada vez mais que assinava.

Um dia da caça...


Seria o poeta e dramaturgo mais armado da Inglaterra um ladrão sórdido e desprezível? Conta a lenda popular que em algum momento dos anos 1580 o jovem Shakespeare foi preso por caçar veados na propriedade de um poderoso magistrado chamado Sir Thomas Lucy. 

Pouco depois da morte de Shakespeare um clérigo de Gloucestershire chamado Richard Davies escreveu que, quando jovem, o dramaturgo era “muito dado a todo malogro no roubo de carne de veado e coelho” e que Lucy “com frequência ordenava que ele fosse açoitado, às vezes encarcerado e, finalmente, o expulsou da sua terra natal, para seu grande avanço”.

Qualquer que tenha sido o motivo, Shakespeare realmente mudou-se de Stratford para Londres por volta dess época. Talvez ele até tenha conseguido certa dose de vingança contra o seu perseguidor. Diz-se que o personagem da Frívola Justiça em As Alegres Comadres de Windsor e Henrique VI, Parte 2 é uma caricatura sutilmente velada de Sir Lucy.

Tributo nele!


Em 1597, Shakespeare já estava “bem de vida” pelos padrões da época. E, ao que parece, havia descoberto a estratégia tradicional dos ricos para manter a riqueza: fraudar o imposto de renda. O bardo está registrado como defraudador nos Anais da Agenda de Subsídios do Rei (King’s Remembrancer Subsudy Roll) daquele ano.

Três anos depois, seu débito aparentemente não havia sido pago. Um registro de impostos de 1600 indica “uma cobrança de impostos de 13s.4d. ainda pendente” e se refere às dívidas do dramaturgo as Bispo de Winchester, cuja jurisdição incluía a mais conhecida prisão de devedores de Londres.

Documentos subsequentes demostraram que Shakespeare – ou alguém agindo em seu favor – acabou saldando a dívida.

O verdadeiro Shylock


Shakespeare pode não ter quitado suas próprias dívidas, mas insistia para que as outras pessoas cumprissem essa obrigação nos prazos. Um agiota “pão-duro”, o bardo era conhecido por fornecer capital a amigos necessitados “por uma pequena taxa”. “Se você negociar com o sr. Shakespeare”, o pai de seu futuro genro certa vez comentou, “leve seu dinheiro para casa se puder”.

Shakespeare era famoso por levar os devedores ao tribunal para cobrar dívidas não pagas, mesmo se as quantias fossem pequenas. Ainda pior, ele era um sovina de grandes proporções. Jamais gastava um centavo com os habitantes pobres de Stratford e era notório por armazenar grãos e malte durante as épocas de escassez.

Os acadêmicos ainda estão debatendo se a cláusula do testamento de Shakespeare que deixa para sua viúva a “segunda melhor cama” do casal seria um gesto de afeição ou no último giro no parafuso de um “pão-duro” moribundo.

Filho de Will?


Filhos bastardos desempenharam papéis importantes em diversas peças de Shakespeare, portanto não é de surpreender que ele próprio tenha gerado alguns. O dramaturgo passava a maior parte do tempo em Londres, deixando a esposa Anne Hathaway em Stratford, cuidando dos filhos.

Quando viajava em visitas para casa, passava pela cidade de Oxford, onde frequentemente se hospedava numa taverna de propriedade de Jonh Davenant, um rico taberneiro. Davenant tinha sua própria e graciosa esposa, Jane, e, bem, dizem as más línguas que ela e Billy Shakes “botavam pra quebrar”.

O filho de Jane, chamado – ahã – William Dabenant, nasceu em fevereiro de 1606. Shakespeare foi padrinho da criança. Conforme o menino crescia, foi desenvolvendo várias e impressionantes similaridades com o suposto progenitor.

Will Davenant tornou-se um respeitado dramaturgo, diretor de teatro e poeta, tanto que foi nomeado o poeta laureado da Inglaterra em 1637. Até mesmo colaborou com Jonh Dryden numa nova versão de A Tempestade, em 1667.

Sobre Davenant, Samuel Butler certa vez observou: “Parecia-lhe que ele escrevia com o mesmo espírito de Shakespeare, e parecia satisfeito em ser chamado de filho dele”. Com a falta de um exame de DNA, possivelmente jamais saberemos a validade da afirmação.

Cheguei primeiro

Um esperto Shakespeare certa vez derrotou seu amigo e companheiro de palco, Richard Burbage, num romântico encontro com uma jovem dama que morava perto do teatro. O bardo entreouviu os dois fazendo planos para um encontro secreto. “Anuncie-se como Ricardo III”, ela disse ao ator.

Pensando rápido, Shakespeare apressou-se até a casa da jovem, forneceu a senha combinada na porta e foi admitido aos aposentos dela para uma ardente e estimulante sessão. Quando Burbage apareceu, poucos minutos depois, Shakespeare saíra e lhe deixara um recado: William, o Conquistador, chegou antes de Ricardo III.

Bi ou qualquer outro nome

Que Shakespeare era um sujeito um tanto libertino é incontestável. Afinal, ele realmente dedicou vinte e seis sonetos de amor carregados de erotismo a uma desconhecida mulher casada, nomeada apenas como Lady Dark. Mas será que o poeta romântico mais reverenciado do mundo ocasionalmente jogava no outro time?

Os acadêmicos continuam discutindo se Shakespeare seria ou não bissexual. Os que apóiam a idéia apontam para os 126 outros sonetos que ele escreveu para um homem, conhecido apenas como Belo Jovem ou Belo Senhor (Fair Youth – Fair Lord).

A única edição dos sonetos publicada durante o seu tempo de vida é dedicada ao misterioso “Sr. W. H.”.

E, em seu testamento, Shakespeare legou quantias em dinheiro aos seus amigos John Heminges, Richard Burbage e Henry Condell expressamente para que comprassem anéis memoriais para comemorar a sua estreita amizade.

Esse tipo de evidência tem alimentado as ruminações dos acadêmicos há décadas.

Parentes Vergonhosos


Como muitas figuras públicas proeminentes, Shakespeare carregava nas costas a sua parcela de parentes constrangedores – ninguém menos do que o seu genro baixo-nível, Thomas Quiney.

Um desbocado proprietário de taverna que certa vez quase foi processado por vender vinhos estragados, Quiney não poderia ser pior como pretendente à mão da filha de Shakespeare, Judith.

No entanto, Shakespeare não se opôs à união e os dois se casaram no dia 10 de fevereiro de 1616, apenas dois meses antes da morte do bardo. O bolo de casamento mal começara a azedar quando Judith descobriu que Quiney estava dormindo com outra mulher. Foi um escândalo em Stratsford. O próprio Shakespeare apressou-se em tomar providências para modificar o testamento e excluir Quiney completamente.

No dia 26 de março o taberneiro mulherengo foi condenado por ter realizado “cópula carnal”. Foi ordenado a executar a penitência em público, embora mais tarde a sentença tenha sido modificada para uma pequena muita e penitência privada. O sórdido incidente serviu de combustível para a especulação de que Shakespeare foi assassinado pelo próprio Quiney, como retribuição por tê-lo privado da herança. Entretanto, nenhuma evidência séria já foi apresentada para sustentar essa teoria.

Bardo Rígido

A fim de dissuadir os coveiros a violar seu túmulo e atirar seus restos mortais numa capela mortuária (como era costume na época), Shakespeare deixou uma praga em sua tumba. O seguinte epitáfio foi inscrito:

Bom amigo, pelo amor de Jesus, abstenha-se 
De cavar o pó aqui encerrado!   
Abençoado o homem que poupar estas pedras
E amaldiçoada seja aquele que mover os meus ossos.

Alguns acadêmicos já sugeriram a possibilidade de exumar os restos mortais de Shakespeare, seja para analisar a ossada para determinar qual teria sido a aparência dele, seja para confirmar os rumores de que ele foi enterrado com um depósito secreto de obras-primas não publicadas.

Até agora, contudo, ninguém conseguiu juntar coragem suficiente para desafiar a maldição do bardo.

Lendas e Mitos


Juntamente com a eterna controvérsia sobre quem “realmente” escreveu as peças de Shakespeare, diversos mitos pitorescos germinaram acerca da vida e da carreira do dramaturgo.
Uma das lendas mais persistentes afirma que Shakespeare contribuiu na redação da Bíblia de King James. Supostamente, se você pegar o Salmo 46 e contar 46 palavras no início e 46 palavras no final, chegará às palavras shake e spear. (O que isso prova, cabe a qualquer um imaginar.)
Outra lenda diz que Shakespeare era, na verdade, um nobre italiano chamado Michelangelo Crollalanzo (o nome se traduz, em inglês, para “shake spear”) que fugiu para a Inglaterra aos vinte e quatro anos a fim de escapar da Inquisição Espanhola.
Barnum e o Barbo
A cada ano milhares de pessoas afluem a Stratsford-upon-Avon para visitar o local de nascimento de Shakespeare. Se o empresário de circo norte-americano P.T. Barnum tivesse conseguido o que queria, o chalé onde Shakespeare nasceu poderia estar situado no terceiro picadeiro, ao lado do elefante dançante e do menino com cara de cachorro.
Na década de 1850, Barnum ficou tão consternado com o péssimo estado da estrutura (parte da casa estava sendo usada como açougue) que tentou comprá-la pretendendo despachá-la para os Estados Unidos para que fosse exibida.

Porém, antes que ele conseguisse completar a aquisição, o governo britânico, justificadamente constrangido, intercedeu e designou a propriedade como monumento nacional.

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