terça-feira, 29 de setembro de 2015

Apocalipse macho: o fim do homem-alfa cada vez mais perto!


Sean Connery antecipa a inominável sunga-colete de Borat em Zardoz

Ronaldo Bressane

Os boatos sobre a derrocada do homem-alfa têm sido apressados. Mas atenção: há inquietantes sinais de fumaça. É fato: o cromossomo Y, que determina o sexo masculino, está com os dias contados. As más notícias foram trazidas por cientistas australianos. “O cromossomo Y tem uma larga faixa de DNA, mas está cheio de ‘lixo’, e há apenas 45 genes nele. Não dá para comparar com o os 1345 genes do cromossomo X“, despreza a doutora Jenny Graves, da Universidade de Canberra.

Observando a fauna australiana – incluindo cangurus –, o laboratório australiano descobriu que a cada milhão de anos 7.8 genes Y são perdidos. “Há 166 milhões de anos, o cromossomo Y também tinha 1345 genes“, explica. Ou seja – o crepúsculo do macho está em pleno processo. Mas vocês não vão se livrar de nós tão cedo, garotas: “A essa velocidade, o cromossomo Y vai desaparecer em 6 milhões de anos“, sentencia a australiana.

Antes que eu jogasse pedra na doutora Jenny por seu catastrofismo, o bioquímico Franklin Rumjanek, da UFRJ, refletia: uma vez que o cromossomo Y se especializou em determinar o sexo masculino, se esse ajuste foi aprovado pela seleção natural o Y pode permanecer entre nós por muito tempo. “O que sabemos é que o cromossomo Y já não tem mais origem exclusiva das gônadas masculinas e, além disso, corre o risco de desaparecer“, diz Franklin, lembrando de um experimento da Universidade de Newcastle que criou espermatozóides humanos a partir de células-tronco originárias de um embrião feminino. “Essa bifurcação evolutiva pode significar o fim da hegemonia masculina. Mas também pode ser o arauto da extinção da espécie“, afirma o bioquímico.


Os sinais da derrocada macha se demonstram em estudos biológicos e também em narrativas contemporâneas – como a sensacional graphic novel Y: O Último Homem (Vertigo), de Brian Vaughn e Pia Guerra, que enquadra um mundo em que uma catástrofe exterminou todos os homens do planeta à exceção de um, o perseguido Yorick Brown.

Pobre Yorick: enquanto a macharia teima em largar a toalha molhada na cama, berrar palavrões na arquibancada e encerar o capô do carro, a trilha evolutiva desdenha e olha para o outro lado da rua. O deus-nos-acuda agora vem de um estudo comportamental publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society: mulheres de sociedades mais civilizadas se interessam por homens que não pareçam tão homens assim.

Usando o site faceresearch.org como base, Ben Jones e Lisa DeBruine, da Universidade Aberdeen, na Escócia, mostraram 20 pares de rostos masculinos a 4.800 mulheres de 20 países. No frigir dos ovos, o par de especialistas constata que “em ambientes onde doença e alta mortalidade infantil são altas, as mulheres preferem tipos mais masculinos. Nos EUA ou na Inglaterra, onde analisar planos de saúde é mais importante do que brigar contra uma infecção, homens efeminados são mais competitivos“.


Ainda suspeito se essa pesquisa funcionaria em países latinos como o Brasil – mas, a julgar pela nova tendência emogótica, as moças estão mais para Robert “alérgico a vaginas” Pattinson que para Clint Eastwood. É a evolução, estúpido!

A queda é tão iminente que, além do decantado metrossexual e do homem-fofoleto do estudo acima, a revista Slate reportou a tendência: o macho ômega. O herói-broxa é o pesadelo de consumo de mulheres que se desinteressaram tanto pelo ultracompetitivo alfa quanto pelo confortável beta e partiram para o fim da fila – a raspa do tacho, onde ainda sobrou alguma rebeldia recendendo a testosterona.


Seu símbolo é o Ben Stiller do filme Greenberg (inédito no Brasil). O quarentão Greenberg xaveca uma gracinha de 25 anos dizendo que, quando criança, sonhava ser astronauta; hoje, mal dirige. Desistiu de ser músico e agora abraça a causa de carpinteiro, mas nada sério: como diz aos amigos, “está fazendo nada por um tempo“. A Slate toma Greenberg como estereótipo do homem que, no começo dos anos 2000, sentiu o baque da recessão econômica e, confuso com as mudanças no comportamento feminino, reinventou-se num tipo charmosamente desajustado, loser. Segundo a ótima matéria da jornalista Jessica Grose, eis os subtipos ômega:

• Brejeiro. Bobo-alegre, quando habita os comerciais de cerveja, no caso de ser boa-pinta ou acreditar em seu ideal de solidariedade masculina selada por um tintim. Ou triste, quando percebe a roubada em que se meteu: gosta dos amigos, é leal à esposa e aos filhos, mas sente que a vida poderia ser muito melhor – caso tivesse a mínima idéia de como;

• Gameboy. Nerd que não toma uma atitude adulta na vida a não ser que, como em um game, seja obrigado. Se trabalha, é com videogames ou em sites pornôs;

• Inútil Paisagem. Veste-se bem, parece gay, mas não é: ao se contentar com a própria beleza, não carrega a menor expectativa em relação às mulheres. Narcisista que habita academias, clubes, bares descolês e espelhos – principalmente na hora do sexo;

• Gênio em Crise. Tipo o Caio Blat no recente filme Histórias de Amor Não Duram 90 Minutos, em que interpreta um escritor que não consegue escrever nem se decidir entre a mulher autosuficiente e uma perigosa peguete (que aliás está pegando a sua mulher);

O homem é a nova mulher


Pobres homens. Sua confusão é tão generalizada que existe até um Movimento Anti-Xoxotização do Homem Ocidental, MAXHO (o manifesto é de rolar de rir). O demônio do movimento é a mulher solteira chefe-de-família. É a principal responsável pela fixação dos homens contemporâneos em raspar os pêlos, cuidar da casa e doar seu esperma para bancos que fertilizam… mulheres solteiras chefes-de-família.

Reza o MAXHO: “Há poucos homens de verdade… um homem que pode trabalhar com seu próprio carro; que sabe dirigir e gosta de carros velozes; que sabe atirar, montar, desmontar e limpar sua própria arma; que sabe os princípios básicos da medicina; que sabe selar e montar um cavalo; que sabe ler e escrever em ao menos duas línguas; que conhece defesa pessoal; que se vira na matemática e na gramática; que sabe ler, discutir e escrever ensaios sobre política, filosofia e literatura; que se mantém em boa condição física; que se mantém na linha, é heterossexual, não mente, trapaceaia nem rouba; que sabe tratar uma mulher e cuidar de uma família“. Bom, eu sei controlar o nunchuk do meu Wii, mas isso talvez não baste aos simpatizantes do movimento.

O que faz de um homem um homem?

Segundo as pesquisas do Ibope, o homem brasileiro de 2010 “sente-se mais companheiro e presente na família; quando casado, realiza tarefas domésticas e faz compras; quando solteiro, mesmo financeiramente independente, não deixa a casa dos pais; preocupa-se com a aparência, a alimentação, usa produtos de beleza e já pensa em cirurgia plástica; é grande consumidor de mídia; quer fazer tudo de uma forma diferente“, determina Flavio Ferrari, CEO do Ibope.


O que faz de um homem um homem?

Uma dica do MAXHO, “que sabe como tratar uma mulher“, ou, como cantaria o Robertão, “Todo ama que sabe o que quer/ sabe dar/ e querer da mulher“, pode ser uma trilha para que cavalguem os novos pensadores da macheza contemporânea. A fim de manter uma saudável equidistância entre os escribas, necessária mesmo entre as quatro linhas destas elegantes páginas, escolhemos como normanmailers tupiniquins um carioca, um gaúcho e um cearense. É preciso solidariedade para com esses cabras machos que se debruçam sobre tão tenebroso tema.


Em recente crônica n’O Globo, o argentino-carioca João Paulo Cuenca aventa: “Que o homem é a nova mulher até o cinema norte-americano já descobriu“. O autor de O Único Final Feliz de uma História de Amor é um Acidente (Cia. das Letras) compara o priapismo de Porky’s, clássico cafajeste de 1982, com 500 Dias Com Ela, de 2009, “fita que leva o macho em crise ao paroxismo, com seu protagonista indie-genérico prometendo amor eterno entre choramingos e muxoxos“, e com Crepúsculo (2009), em que o herói “seduzido pela mocinha da fita passará pelo menos dois longa-metragens e meio evitando mordê-la ou levá-la para a cama“.

O “vampiro-fofo” de Cuenca nasce de uma demanda feminina, cristalizada no cinema e materializado no “galã-amélia, cozinheiro de mão cheia, companheiro para todas as horas, conselheiro para tardes de compras no shopping e futuro ex-namorado-melhor-amigo“. O viagra Van Helsing para esse draculette estaria embutido no appetite appeal de estrelas pornôs como Belladonna, em atrizes de cinema como Angelina Jolie ou musas do funk como Deise Tigrona. Para Cuenca, somente essas poderosas mulheres teriam a capacidade de mostrar de volta o caminho de casa aos novos Bogart, Peréio, Sinatra, Valadão – se é que eles existem (e se é que ainda existe o caminho de casa).


Por sua vez, o poeta gaúcho Carpinejar aposta na canalhice. Segundo aprendi na Caras, via Deonísio da Silva, canalha vem do italiano canaglia, da raça dos cães, radicado em cane, cão, mais sufixo depreciativo, designando o que é infame, vil. O aprendizado da macheza, para o poeta, estaria no retorno às origens como vira-latas, cão sem dono sempre disposto a fuçar no lixo, entrar no cio ou uivar para a lua.

Pistoleiro solitário, este espécime contemporâneo de canalha, “quando domesticado, acaba revelando que não era canalha… A canalhice é um excesso de imaginação. A saída é desejá-lo! O canalha procura uma mulher capaz de entendê-lo e que não tente ajustá-lo“, filosofa o poeta. Este novo canalha é um animal nascido na geração do divórcio, “de quem foi criado pela mãe e tem mais intimidade com o mundo feminino. Nunca vai ser um coitado: ri de si mesmo e tem capacidade camaleônica de se adaptar“, fecha o autor de, claro, Canalha (BertrandBrasil). Ele faz questão de distinguir o canalha do cafajeste e do pilantra. “O canalha não coleciona mulheres; realmente as ama. As mulheres se apaixonam porque se descobrem nele, se enxergam nele. Na verdade, a mulher se apaixona por si mesma…“, se safa Carpinejar.


A metáfora canina também é mordida pelo cearense Xico Sá em seu novo CHA-BA-DA-BA-DÁ – Aventuras e Desventuras do Macho Perdido e da Fêmea que Se Acha (Record). Mas aqui, como negativo: “Cuidado, frágeis!, eles estão perdidos, sejam metrossexuais, übersexuais ou brechossexuais (aqueles que só usam roupas com encosto de brechó). Fracos, não agüentam o tranco das mulheres mais destemidas. Arrotam macheza nos botecos, mas logo que põem as patas em casa, uivam para a lua minguante e sonham com uma chuva de coleiras“, escreve Xico.

E aí, como registra este canalha lírico, são as mesmíssimas mulheres que pedem uma esmola do coração dos mesmíssimos homens. Ironicamente, os mesmos que, afirma o Movimento Anti-Xoxotização do Homem Ocidental, teriam sido corrompidos pelos desejos das mulheres modernas demais. Para ilustrar, o seguinte diálogo pescado por Xico entre duas moças espertas num bar de São Paulo:

“– Antes um bom canalha de ressaca do que um saudável bom moço perfumado com a boca sempre cheirando a antisséptico! – Guta vai mais longe ainda.

– Nesses tempos de homens frouxos, quando não se pede mais ninguém em namoro, a canalhice é o nosso parque de diversões! – Lu ataca novamente.”


O que faz de um homem um homem? Prefiro lembrar de uma imagem simples, criada por Cormac McCarthy em sua obra-prima A estrada (Alfaguara). Não que ele esteja exatamente respondendo à minha pergunta; McCarthy é um contador de histórias, e esta é sua narrativa mais seca, precisa e emocionante, portanto sua fábula mais poderosa no oco deixado pela sugestão de inquietações. No romance, que se passa um cenário pós-apocalíptico, um pai e um filho atravessam seu devastado país do norte gélido ao esperançoso sul. Um diálogo entre os dois (que remete também ao final de outro livro de McCarthy, Onde os Fracos Não Têm Vez):

“Nós vamos ficar bem, né, pai?

Sim. Vamos.

E nada de mau vai nos acontecer.

Isso mesmo.

Porque estamos carregando o fogo.

Sim, porque estamos carregando o fogo.”

O que faz de um homem um homem? Quando o bicho pegar, sempre vai ser necessário um homem que carregue o fogo. Para acender o cigarro da dama, para aquecer o rango de todos – ou simplesmente para tocar fogo no circo.


Era uma vez um homem

Bela – e necessária – tese sobre o espécime em extinção, escrita por Millôr Fernandes e publicada n’O Pif-Paf/O Cruzeiro em 1953, com a colaboração de Luís Lopes Coelho e Antonio Maria

Decálogo do Machão

1. Machão vai à caça, passa seis meses na floresta, quando volta a mulher telefona, ele diz: “Não”.

2. Machão não come mel, come abelha.

3. Machão, na hora da morte, não confessa: vai pro inferno logo.

4. Entre um sorvete de creme e um uísque, o machão não hesita: mistura.

5. Machão não tem automóvel: faz ligação direta no primeiro que encontra.

6. Machão não se deixa levar pelo destino: segue enredo próprio.

7. Machão jamais é encurralado no apartamento pelo marido inesperado: anda sempre de pára-quedas.

8. Machão não fuma, não bebe, não joga: usa maconha.

9. Machão não casa: cumpre pena.

10. Machão, ao ir pra cama, não se descalça. Trepa de chuteira e tudo.

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