O “Telecatch Montilla” era a versão brasileira das
lutas-livres e foi um dos programas responsáveis por alavancar a audiência da
TV Globo na década de 1960.
No programa, aproveitando a distração do juiz, o vilão batia
covardemente no mocinho, e o público, com raiva, gritava e jogava sapatos e
guarda-chuvas no ringue.
Na luta encenada, valia tudo: mordida, dedos nos olhos,
tijoladas na cabeça, limões espremidos nos olhos, supercílios cortados com
gilete e até bater no juiz.
Quando tudo parecia perdido, o bonzinho recuperava as
forças, aplicava uma série de tesouras voadoras no malvado e vencia a luta.
O programa foi originalmente criado na TV Excelsior e passou
a ser exibido pela Globo em 1967. Era transmitido ao vivo do auditório da
emissora, aos sábados, inicialmente às 20h. Dois anos depois, o programa passou
a ser exibido na TV Tupi. Saiu do ar em 1972.
O principal personagem do programa era Mario Marino, um
italiano que desembarcou em Buenos Aires aos 12 anos e veio para o Brasil com
24. De cabelos loiros e porte atlético, consagrou-se como Ted Boy Marino.
O galã loiro tinha muita popularidade entre as crianças e o
público feminino. Ele conta que, na época, chegou a receber mais de duas mil
cartas por semana e que precisava entrar com seguranças na TV Globo devido ao
assédio dos fãs.
Mas os bons tempos foram interrompidos pela censura, que
tirou a luta-livre do horário nobre e, depois, da programação. O
espetáculo-marmelada fazia muito sucesso e ainda voltou em várias versões nas
décadas de 1970 e 1980 em outras emissoras.
Ted Boy conta que para lutar era preciso habilidade e muito
treino, para saber cair. Mas, apesar do seu know-how, ele se acidentou diversas
vezes: quebrou joelho, tornozelo, braço, ombro e costelas.
Depois que o gênero saiu de moda, o lutador passou a se
apresentar em clubes e teatros do interior. Participou também de programas
humorísticos, como “Os Trapalhões” e a “Escolinha do Professor Raimundo”.
Os outros personagens conhecidos como os reis do ringue eram
o traiçoeiro Mongol, o exótico Leopardo, o extraordinário Tigre Paraguaio, o
misterioso Verdugo, o impagável Tony Videla, o irritante Rudy Pamias, o
violento Rasputin Barba Vermelha, o campeão Caruso e os irmãos estilistas Beto
e Sergio.
Na verdade, os lutadores eram divididos em três grupos. O
primeiro era formado pelos galãs Tigre Paraguaio (foto) e Ted Boy Marino.
O segundo grupo era composto pelos lutadores Fantomas,
Hércules, Aquiles e Bala de Prata, os mocinhos.
O terceiro grupo era formado pelos vilões Rasputin, Verdugo,
Mongol, Barba Negra e Diabo Branco, todos muito gordos e bem feios.
As lutas colocavam frente a frente um “bonzinho” contra um
“malvado”. Havia o “cruzamento de espadas”, golpe em que o lutador forçava o
oponente no tablado encostando peito a peito. Se o lutador de baixo não se
livrasse em três segundos, perdia o combate.
Havia também a “tesoura voadora”, o golpe em que se “voava”
com os dois pés no peito do adversário, mandando-o para a lona.
E havia também o “soco-inglês” – uma peça metálica que se
encaixa nos quatro dedos da mão, com exceção do polegar, para desferir golpes
violentos no adversário.
Só os malvados usavam soco-inglês. Os bonzinhos apenas se
defendiam. Os malvados batiam até “tirar sangue” dos bonzinhos.
Mas Ted Boy Marino, o galã, não colocaria a cara para bater
até sangrar. É que a telinha não mostrava, mas o vilão pegava no corner
saquinhos de plástico com groselha. Ele fechava a mão com o soco-inglês e
quando desferia o golpe na cara do bonzinho, espremia a groselha que explodia
“em sangue”.
No dia seguinte, o bom rapaz aparecia sem nenhuma cicatriz
no rosto.
No ringue, os personagens se digladiavam sob as marcações de
uma luta ensaiada. A encenação era marcada pelo tom caricatural e cômico dos
golpes e dos estilos de seus protagonistas.
O programa chegou a despertar protestos de lutadores,
empresários de boxe, jornalistas esportivos e pugilistas, que acreditavam que
as lutas-livres ensaiadas da TV, com golpes combinados e o final previamente
decidido, desmoralizavam o boxe brasileiro.
Em Manaus, os radialistas Arnaldo Santos e Luiz Saraiva
criaram um programa semelhante, que era exibido na TV Ajuricaba.
O grupo dos mocinhos incluía Silva (foto), Argos, Demolidor,
Ulisses, Gato, Aquiles, Viking, Targus, Falcão Dourado, Oder, Spartacus e Bala Ligeira.
Os malvados, capitaneados por Lobo Selvagem (foto), incluíam
Cabeleira, Lotar, Tigre, Dom Kimura, El Tcholo, El Touro, Atlas, Múmia,
Rasputin, Carrasco Cearense, Ramires Toledo, Killing, Linhares da Amazônia,
Corisco e Mini-Maciste.
Na luta australina, uma das mais animadas, dois bonzinhos enfrentavam dois malvados, mas era comum outros malvados se juntarem à dupla inicial para detonar os bonzinhos.
Na luta australina, uma das mais animadas, dois bonzinhos enfrentavam dois malvados, mas era comum outros malvados se juntarem à dupla inicial para detonar os bonzinhos.
Voadora de Argos no
Carrasco Cearense enquanto Silva imobiliza Atlas
A briga entre Silva e Lobo Selvagem era considerada o grande
clássico do gênero, o
“Rio-Nal” do tele-ringue.
Silva fazia o galã boa praça que lutava limpo porque possuía uma excelente técnica. Era o favorito da mulherada.
Lobo Selvagem, que gostava de fazer caretas para intimidar os adversários, apelava para tudo quanto é golpe baixo. Era o favorito dos homens.
Em média, Silva vencia três de cada cinco lutas, enquanto Lobo Selvagem vencia as outras duas. Nenhuma luta entre eles dois terminava em empate.
Silva fazia o galã boa praça que lutava limpo porque possuía uma excelente técnica. Era o favorito da mulherada.
Lobo Selvagem, que gostava de fazer caretas para intimidar os adversários, apelava para tudo quanto é golpe baixo. Era o favorito dos homens.
Em média, Silva vencia três de cada cinco lutas, enquanto Lobo Selvagem vencia as outras duas. Nenhuma luta entre eles dois terminava em empate.
Mestre em aikidô e proprietário de uma academia no centro da
cidade, Alberto Silva conta que sempre foi amigo do hoje advogado José Carlos
Sena Dantas, o famoso Lobo Selvagem, e que as lutas entre os dois eram
previamente ensaiadas.
“Eu estava em alguma festa e o Lobo Selvagem aparecia na
porta de uma hora pra outra. Tudo previamente combinado. A gente começava a
discutir, era aquela confusão. Um jurava o outro de morte e lá mesmo já
marcávamos um combate. Quando chegava na hora da luta não tinha mais onde
colocar gente”, revelou Silva em entrevista ao jornalista Adan Garantizado, de
A Crítica.
A idolatria dos torcedores também rendeu boas histórias.
“Nós estávamos lutando no Lago do Janauacá e eu parti o
supercílio do Silva com uma cabeçada involuntária. Na mesma hora, um rapaz apareceu com um facão dizendo que
ia me matar. Eu saí correndo, pulei em uma canoa e me mandei. A turma dos
lutadores só foi me achar no outro dia”, relembrou Lobo Selvagem, com bom
humor.
Segundo Arnaldo Santos, as lutas eram previamente ensaiadas
por causa da censura que existia no país.
“Em 1972, o AI-5 ainda estava vigente e tudo tinha que ser
examinado previamente pela Polícia Federal. Nós fazíamos um roteiro detalhado e
entregávamos a eles, inclusive dizendo quem ia ganhar. Se acontecesse algo que não estivesse no script, o programa seria censurado e sairia do ar”, diz ele.
A primeira luta organizada por Arnaldo Santos e Luiz Saraiva
aconteceu em um terreno baldio que ficava ao lado da televisão e foi um desastre.
“O povo se revoltou com o resultado da luta e jogou pedras,
garrafas e pedaços de pau no ringue. O jeito foi levar para dentro do estúdio
da TV, onde era mais seguro. Mesmo assim, lotava. Vez ou outra as lutas
aconteciam em clubes como o Olímpico e até no Parque Amazonense”, recorda o
radialista.
A audiência do programa era grande e se transformou em uma
verdadeira febre.
Dezenas de academias de luta livre foram abertas na cidade.
Dezenas de academias de luta livre foram abertas na cidade.
Depois da TV Ajuricaba, onde permaneceu por dois anos, o
programa “Tele-ringue” foi exibido nas tevês Baré, Educativa e Amazonas e os
lutadores chegaram a fazer combate em cidades do interior e nos estados e
países vizinhos.
Nessas lutas, eles enfrentavam os lutadores locais (se houvessem academias na cidade em que estavam se apresentando) ou lutavam entre si.
Nessas lutas, eles enfrentavam os lutadores locais (se houvessem academias na cidade em que estavam se apresentando) ou lutavam entre si.
Atualmente proprietário de um restaurante na Feira Coberta
do Japiim, o ex-lutador Ulisses recorda de um episódio ocorrido durante uma
luta realizada em Porto Velho (RO), quando enfrentou seu compadre Lobo
Selvagem.
Faltando cinco minutos para começar o combate, Lobo Selvagem
foi subitamente acometido de um tremendo desarranjo intestinal. Ele correu para
o sanitário e deixou a natureza seguir seu curso.
Ocorre que no referido sanitário não havia papel higiênico. Lobo Selvagem não deu a mínima e vestiu a sunga assim mesmo, sem ter limpado o brioco.
Ocorre que no referido sanitário não havia papel higiênico. Lobo Selvagem não deu a mínima e vestiu a sunga assim mesmo, sem ter limpado o brioco.
Assim que começou o combate, Lobo Selvagem derrubou Ulisses
no chão e se sentou na cara do lutador.
– O cheiro de merda foi bater no meu pulmão! – diz Ulisses.
“Eu tratei de bater rapidinho, antes que desmaiasse com aquela fedentina. O
público desconfiou que era marmelada, tentou invadir o ringue e deu uma
confusão dos diabos!”
Um dos lutadores mais marcantes do tele-ringue se chamava
Demolidor.
O personagem vivido por Edgar Monteiro de Paula (o quarto da esquerda pra direita, em pé) surgiu a
partir de uma ideia dos organizadores para ser a grande estrela do programa de
tevê.
Faixa-preta em karatê e um dos melhores jogadores de vôlei da época, Edgar não era praticante de luta livre, mas acabou se transformando no lutador mais admirado pelos telespectadores.
Faixa-preta em karatê e um dos melhores jogadores de vôlei da época, Edgar não era praticante de luta livre, mas acabou se transformando no lutador mais admirado pelos telespectadores.
Lutando sempre mascarado, com uma roupa negra que cobria o
corpo da cabeça aos pés, ele tinha o desafio de se manter “anônimo”.
As entrevistas na tevê eram limitadas a gestos e nenhuma
palavra. Nem mesmo os outros lutadores sabiam quem era o misterioso lutador, já
que Edgar também treinava fantasiado de Demolidor.
Algumas características como a luta em pé e a finalização
com um golpe de karatê na cabeça do adversário contribuíram, ainda mais para a
criação do mito.
Mas a fama também obrigou Edgar a fazer verdadeiros malabarismos para manter o disfarce.
Mas a fama também obrigou Edgar a fazer verdadeiros malabarismos para manter o disfarce.
“Eu tinha que me trocar dentro do carro. Uma vez o
comandante geral da PM entrou no vestiário e queria que mostrassem quem era o
Demolidor. Ele dizia que o personagem podia ser um foragido da Justiça, mas na
verdade ele queria mesmo era descobrir o mistério. Outra vez a torcida do Rio
Negro seguiu o carro onde eu ia pra tentar me desmascarar”, revelou.
Em casa,
só os irmãos sabiam que Edgar era o Demolidor (conta-se que Eduardo Monteiro de Paula, atualmente um festejado radialista esportivo da TV Amazonas, que também era faixa-preta de karatê, chegou a substituir o irmão em algumas lutas, mas Dudu nega veementemente).
“Meus pais desconfiavam. Os amigos dele começaram a
suspeitar de que eu era o lutador mascarado. Uma vez, eles tentaram tirar a
prova: tive que assistir a uma luta do Demolidor em casa, ao lado deles. Só que
armei com o Silva, que tinha um porte físico parecido com o meu e ele foi o
Demolidor naquela noite. Consegui me livrar”, diz Edgar, que,
atualmente, vive com a esposa e filhos em Ciudad Bolivar, na Venezuela.
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