Desde a mais tenra infância as irmãs Brontë levavam a sério suas
ambições literárias. Quando a maioria das crianças chamava o quarto de
brinquedos de “nosso quarto”, elas o chamavam de “nosso estúdio”. E realmente
estudaram: as grandes obras da literatura inglesa, seu próprio comportamento e
até mesmo o clima perverso das charnecas que o rodeavam. Tudo o que elas
analisaram em um momento ou outro acabou fazendo parte dos poemas e romances
que, um dia, as tornariam famosas.
A casa onde moravam era quase insuportavelmente feia e triste. Cercada
em três lados por cemitérios, foi descrita por uma visitante como “um local
lúgubre, muito lúgubre, pavimentado por sepulturas escurecidas pela chuva”.
Charlotte, Emily e Anne adoravam o lugar. Esta deveria ter sido a primeira
pista de que aquelas não eram simples e normais estudantes inglesas.
O pai delas, um pobre fazendeiro irlandês que se tornou pastor
evangélico chamado Patrick Brunty, havia mudado o sobrenome da família em
homenagem ao herói da marinha britânica Lord Nelson, também conhecido como
Duque de Brontë. O trema na última vogal, ele acreditava, emprestaria um ar de
distinção ao sobrenome. Para ser franco, o velho Brontë era meio “pancada” e
começou a ficar ainda mais excêntrico depois da morte da esposa, em 1821. As
seis crianças Brontë eram frequentemente deixadas por conta própria enquanto o
papai se isolava no estúdio para ler e escrever seus sermões semanais.
A única tentativa para uma educação formal das crianças acabou em
tragédia. As duas meninas mais velhas, Maria e Elizabeth, morreram de
tuberculose depois de terem sido expostas às condições espantosamente
insalubres do colégio interno da região. O devastado Sr. Brontë imediatamente
convocou Charlotte e Emily de volta para casa. Lá elas permaneceram pelos seis
anos seguintes, educando-se e divertindo-se com jogos e histórias improvisadas.
Em uma das suas mais intricadas e criativas colaborações, as três irmãs,
mais o irmão Branwell, dividiram-se em grupos e criaram dois elaborados reinos
de fantasia. O reino de Emily e Anne chamava-se Gondal e o de Charlotte e
Branwell chamava-se Angria. Pela década seguinte, eles relataram as aventuras
vividas pelos habitantes desses reinos imaginários, registrando-as em livros
feitos de retalhos de papel e papelão de embalagens de açúcar.
O jogo ajudava a passar o tempo e fornecia um escape criativo, desde que
a perspectiva de carreira para as garotas era mínima, a não ser que algum
pretendente rico surgisse para lhes oferecer a mão em casamento.
Infelizmente nenhum pretendente apareceu, portanto as garotas se
revezavam em lecionar em escolas, trabalhar como professoras particulares ou
cuidar dos filhos de outras pessoas. Charlotte passou algum tempo em Bruxelas,
onde se apaixonou por um homem casado, e Emily começou a escrever poesia secretamente.
As três irmãs pensaram em abrir sua própria escola no casarão da família, porém
falharam em atrair alunos para a sombria Haworth em meio às urzes.
Sempre a “líder da turma”, Charlotte teve a idéia de que cada uma delas
deveria escrever um romance e tentar publicá-lo. Carlotte escreveu dois. O seu
primeiro, The Professor, foi
sumariamente rejeitado. Mas a sua segunda tentativa, Jane Eyre, uniu-se ao Morro
dos Ventos Uivantes, de Emily, e ao Agnes
Grey, de Anne, para encontrar o caminho até a impressora. Informadas pelo
editor que não seria apropriado publicar um livro com um nome de mulher, as
irmãs adotaram os pseudônimos Currer, Ellis e Acton Bell. Jane Eyre, particularmente, foi um sucesso imediato de crítica e de
público.
Infelizmente, o que poderia ter sido um novo começo acabou sendo o início
do fim. Branwell bebeu até morrer, em 1848, apenas dois meses depois da
publicação dos romances das irmãs. Emily achou que a melhor maneira de lhe
prestar uma homenagem seria comparecer ao seu funeral de pés descalços...
durante uma tempestade dos diabos. Ela contraiu tuberculose.
Numa excentricidade
típica dos Brontë, Emily recusou qualquer tratamento médico, alimentos e até
mesmo cuidados e afeto. Foi definhando e morreu menos de três meses depois. Na
verdade, havia emagrecido tanto que seu caixão media somente setenta e seis
centímetros de largura – o mais estreito que o agente funerário local já havia
construído. Finalmente, numa sequência cruel, Anne foi contagiada pela
tuberculose de Emily. Ela tentou ocultar a doença pelo tempo suficiente para
tornar seus efeitos irreversíveis. Poucos meses depois, seguiu a irmã à
sepultura.
Agora Charlotte estava completamente sozinha. Passava o tempo editando
as obras das irmãs e, de vez em quando, criticando-as na imprensa – ela chamou
o segundo romance de Anne, A Moradora de
Widfell Hall, de “um erro” e o excluiu do cânone oficial da irmã. Escreveu
também mais uns poucos romances e começou a se “enturmar” no cenário literário.
Foi amiga de romancistas como Elizabeth Gaskell e William Makepeace Thackeray,
entre outros. Mas raramente saía de casa e permaneceu cuidando do pai, então já
velho e inválido.
Em 1854 ela se casou, contra a vontade do pai, porém a união teve vida
breve. Charlotte ficou grávida e morreu antes de completar a gestação do bebê.
As causas possíveis incluem tifo, tuberculose (a praga da família) e hyperemesis gravidarum (uma rara doença
da gravidez caracterizada por vômitos intensos e persistentes). De acordo com a
lenda local, uma misteriosa figura em trajes negros observou o funeral nas
charnecas. Na época, muitos acreditaram que fosse Emily. Se realmente fosse,
forneceria um final gótico bem adequado à saga da família Brontë.
A aparência não é tudo
Das três irmãs Brontë romancistas, Emily era inegavelmente a mais
bonita. Com quase um metro e sessenta, era bem alta para uma mulher daquela
época. Agraciada com um corpo famoso e rosto lindo, emitia um ar de mistério
que os homens achavam intrigante. Sua irmã Anne também era muito atraente.
Charlotte, por outro lado... bem, não foi tão abençoada. De baixa estatura e
mais parecendo um passarinho, ela usava óculos para corrigir uma grave miopia e
se considerava um tipo bastante comum. Outras opiniões, no entanto, foram mais
cruéis. “Conheci a Srta. Brontë esta noite e devo dizer que ela deveria ser
duas vezes mais bonita do que realmente é para ser considerada feia”, comentou
um dos jovens que foi apresentado a ela numa festa. Para seu crédito, Charlotte
canalizou toda e qualquer ansiedade que tivesse em relação à aparência aos seus
romances. Modelou a sua maior criação literária, a desajeitada governanta Jane
Eyre, em si mesma.
Uma janela para o mundo
Emily era a mais excêntrica das três irmãs, famosas por ficar parada na
janela durante horas, olhando fixamente em silenciosa contemplação. Em que ela
estaria pensando? Em acabamentos de janelas, ao que parece. Certa vez Charlotte
e apanhou olhando pela janela e presumiu que a irmã estivesse observando as
charnecas. Só então descobriu que as venezianas estavam fechadas. A sonhadora
adolescente estivera parada durante seis horas observando as venezianas brancas
da janela.
Coleção de rejeições
Charlotte Brontë levou algum tempo para aprender as “manhas” do jogo
editorial. Seu primeiro romance, The Professor,
foi rejeitado por várias editoras. A cada vez que o manuscrito era devolvido,
ela o enviava à editora seguinte, sem remover a carta de recusa. Em pouco tempo
o manuscrito estava circulando com uma coleção de cartas de rejeição empilhada
por cima – o que não era exatamente um endosso favorável às suas habilidades de
escritora. Não é de admirar que The Professor
só tenha sido publicado postumamente.
Branwell, o Bronte esquecido
No início havia seis irmãos Brontë. Duas irmãs morreram na infância.
Três se tornaram lendas literárias. E então havia Patrick Branwell. Sendo o quarto
filho – e único menino – talvez ele tenha sido o mais talentoso. Um triplo
prenúncio, Brawell destacava-se como poeta, pintor e como professor particular
– embora sua propensão para “pular a cerca” com as mães dos seus pupilos o
tenha deixado encrencado pelo menos uma vez. Seus poemas atraíram a atenção de
Samuel Taylor Coleridge, e os retratos que pintou das irmãs são considerados
definitivos em sua semelhança.
Obviamente Branwell poderia ter trilhado o mesmo caminho para a imortalidade.
Infelizmente, suas outras franquezas incluíam o álcool e o láudano, um poderoso
narcótico que era prescrito para quase tudo no século XIX. Despedido de uma
série de empregos e perseguido pelo delirium
tremens, antes do mesmo de completar trinta anos Branwell passou a ficar
cada vez mais dissoluto e irracional. Contraiu tuberculose, a doença comum
entre os Brontë (e entre os escritores em geral do século XIX) e morreu aos
trinta e um anos. Dizem os rumores que ele morreu de pé, recostado na lareira,
apenas para provar que isso poderia ser feito.
A você, Sra. Robinson
Anne Brontë era considerada a melhor governanta entre as três irmãs. (A
sonhadora Emily não se adaptava a esse trabalho e a rígida Charlotte certa vez
afirmou que cuidar de crianças era o mesmo que escravidão.) Sua especialidade
era transformar crianças incorrigíveis em comportadas – um talento que lhe
conquistou elogios de muitos pais e mães desesperados. Um casal, o reverendo
Edmund e Lydia Robinson, ficou tão grato que lhe pediu para recomendar um tutor
para o filho. Anne cometeu o erro de apresentar o seu irmão Branwell, dissoluto
e viciado em drogas. Em pouco tempo ele embarcou em um caso amoroso e adúltero
de dois anos e meio com a Sra. Robinson, que era dezessete anos mais velha do
que ele. Ao descobrir a infidelidade, o enfurecido marido despediu Branwell e
Anne, castigando-a por “ter trazido esta víbora para o seio de nossa família”.
Jane Err
Charlotte Brontë escreveu Jane Err
usando um pseudônimo, mas nunca se esforçou realmente para ocultar a sua
verdadeira identidade. Quando enviava um manuscrito para ser publicado, ela
incluía uma nota avisando aos editores que: “no futuro, enviem a
correspondência para o Sr. Currer Bell, pseudônimo da Sra. Brontë, Haworth,
Bradford, Yorkshire, pois, do contrário, há um risco de as cartas não chegarem
até mim no momento”. Ela também deixava de incluir a postagem, prometendo, em
vez disso, enviar os selos mais tarde. Não é de surpreender que o romance tenha
sido recusado por cinco editoras antes de, finalmente, ser aceita pela Smith,
Elder and Co., de Londres. As primeiras resenhas foram pouco entusiasmadas. Os
críticos descartaram “Currer Bell” como uma mulher “assexuada” que desejava
“menosprezar os costumes estabelecidos pelos nossos ancestrais”. William
Makepeace Thackray foi um dos poucos que a apoiou. A arrebatadora saga de
Charlotte o emocionou tão profundamente que, segundo relatos, ele irrompeu em
lágrimas diante do seu mordomo.