“Não sou profundo”, Honoré de Balzac certa vez comentou, “mas bastante
largo”. Não fica bem claro se ele fazia uma irônica observação a respeito da
sua própria aparência física ou sobre a amplitude intelectual do seu trabalho
(ou ambos). Certamente Balzac estava entre os mais gordos grandes romancistas
do mundo. Com um metro e sessenta e uma montanha de carne adiposa equilibrada
sobre um par de pernas finas, ele era famoso pelo seu apetite gigantescos,
pelos trajes excêntricos e comportamento vulgar.
Certa vez, quando jantava em um restaurante em Paris, segundo relatos da
época, ele devorou uma dúzia de filés, um pato com nabos, um
linguado-da-normandia, duas perdizes e mais de cem ostras. O encerramento
constou de uma sobremesa de doze peras e uma variedade de doces, frutas e
licores. Seus modos à mesa eram revoltantes. Ele comia direto da faca e
espalhava pedaços de alimentos por toda a volta enquanto mastigava. É de
admirar que muitas pessoas o considerassem um homem grosseiro, mal-educado e
asqueroso? Nascido Honoré Balssa, ele mudou o sobrenome e acrescentou um “de”
de aparência aristocrática para convencer as pessoas de que era um nobre.
Porém, o que quer que pensassem a respeito dos seus hábitos pessoais,
ninguém deixaria de reconhecer que Balzac foi um dos maiores romancistas do
mundo. Sua obra máxima de vários volumes, A
Comédia Humana, foi o resultado de uma vida inteira de observações atentas
às muitas camadas da sociedade francesa pós-napoleônica. Não foi, entretanto, o
resultado da principal ambição da sua vida.
Inicialmente, Balzac imagina-se como um dramaturgo. Mas a sua peça sobre
a vida de Oliver Cromwell teve quase tanto sucesso quanto Cromwell em relação
ao povo inglês. Um professor universitário que leu a peça aconselhou a mãe de
Balzac de que seu filho deveria seguir qualquer carreira, exceto a literatura.
Sem se deixar intimidar, Balzac persistiu. Experimentou a ficção
popular, produzindo cinco romances em 1822. Os livros não eram grande coisa,
tampouco os pseudônimos sob os quais ele os escrevia. Um deles, “Lord R’Hoone”,
era apenas um fraco anagrama do seu primeiro nome. Ainda assim, há algo a se
dizer acerca da persistência. Balzac logo estava escrevendo durante cerca de
quinze horas por dia, vestido com um traje de monge e engolindo abundantes
xícaras de café. (O único estimulante que Balzac não consumia era o tabaco, que
considerava debilitante.) Ele reunia material para os seus romances
participando de festas, nas quais uma única conversa entreouvida frequentemente
serviria para completar a terra de mais um fascículo de A Comédia Humana.
Durante um período de vinte anos Balzac produziu noventa e sete obras,
totalizando mais de onze mil páginas. Outras, eram simplesmente estranhas. Tome
como exemplo o romance Seraphita, que
trata de um anjo hermafrodita que inicia um jovem casal no misticismo em meio
aos fiordes da Noruega. A vida pessoal de Balzac era um pouco menos estranha,
embora quase tão picante. Tinha relacionamentos íntimos com centenas de
mulheres, o que, considerado a sua aparência desprezível e a indiferença à higiene,
não deixava de ser uma realização e tanto. E ele gastava todo dinheiro que
ganhava.
Convencido do que deveria viver como um aristocrata, Balzac jamais
conseguiu nivelar essa ilusão com os seus módicos rendimentos. Como resultado,
estava sempre devendo. Já avançado em idade, envolveu-se com uma nobre polonesa
que tinha rios de dinheiro – exatamente o tipo de protetora de que ele
precisava. Porém, por mais encantada que estivesse com a genialidade dele, até
mesmo ela se deu conta de que os hábitos perdulários de Balzac significariam um
golpe mortal na sua solvência. Casaram-se alguns meses antes da morte dele,
quando sua péssima saúde o transformou em objeto de piedade.
Retornando a Paris depois do casamento, Balzac descobriu que o seu mais
antigo e fiel empregado havia enlouquecido durante a sua ausência. “Que
presságio!”, lamentou-se. “Jamais sairei vivo desta casa”. E estava certo.
Poucos meses depois o seu coração finalmente cedeu aos anos de excessos e
dissipação. Até o fim, permaneceu imerso no mundo da sua ficção. Suas últimas
palavras – “Mande chamar Bianchon... ele irá me salvar” – foram um apelo ao
alter ego do seu médico de A Comédia Humana.
A degeneração do café
O que estimulava a prolífica produção literária de Balzac? Ora, a mesma
coisa que ajuda milhões de norte-americanos a atravessar aquelas intermináveis
reuniões das nove da manhã: o bom e antiquado java de alta octanagem. O tenso e
agitado escritor francês ingeria mais de cinquenta xícaras de café turco, preto
e forte, por dia. Numa era pré-Starbucks, esse nível de ingestão exigia uma
verdadeira engenhosidade. Quando ele não conseguia obter a sua dose sob a forma
líquida, simplesmente moía um punhado de grãos e atirava goela abaixo, num
estilo Limbaugh.
“O café tem um grande poder em minha vida”, Balzac admitiu. “Já observei
seus efeitos em escala épica.” E também sofria por esses efeitos. As elevadas
quantidades de café forte lhe provocavam dores de estômago, contribuíram para a
sua pressão alta e o deixaram com o coração aumentado. O envenenamento por café
– sem mencionar o estilo de vida normalmente glutão – contribuiu para a sua
morte precoce aos cinquenta e um anos.
Degustação às cegas
O café não era a única bebida de Balzac. Ele era também um connaisseur de chás refinados. Um dos
seus favoritos chegava até ele por meio de um oficial do governo russo, que o
recebia do czar, que, por sua vez, o conseguia pelo imperador da China. A
exótica e cara bebida, cultivada pelo método de “cocleita imperial” e
transportada em caravanas até a Rússia, era cercada de lendas. Dizia-se que
causava cegueira em quem a bebesse. Não era de surpreender que Balzac a
reservasse apenas para os amigos mais íntimos. Seu amigo de longa data,
Laurent-Jan, degustou a infusão em inúmeras ocasiões, e a cada vez declarava:
“Novamente corro o risco de perder a visão – mas, diabos, como vale a pena!”
Um caso de erro de identidade
Existe uma linha muito tênue separando a genialidade da loucura, como
poderia atestar um dos companheiros de refeição de Balzac. O famoso naturalista
e explorador prússio Friedrich von Humboldt certa vez pediu a um amigo
psiquiatra que o apresentasse a um louco genuíno. O médico marcou um almoço com
Humboldt, Balzac e um de seus pacientes. Como sempre, Balzac – que estava
encontrado Humboldt pela primeira vez – apareceu todo desgrenhado, desarrumado,
e ficou tagarelando durante toda a refeição. Conforme transcorria a conversa,
Humboldt inclinou-se para o amigo e agradeceu por ele ter lhe apresentado um
caso de loucura tão interessante. O psiquiatra teve uma reação de surpresa.
“Mas o lunático é o outro”, informou a Humboldt. “O homem para quem você está
olhando é Monsieur Honoré de Balzac!”
Haxixe ineficiente
Acompanhado pelo poeta Charles Baudelaire, Balzac experimentou haxixe
sob a supervisão de um alienista. O cenário da experiência foi uma magnífica do
século XVII com frente para o rio Sena. Mas o resultado não esteve à altura do
ambiente sereno. Balzac ficou acabrunhado pelos efeitos da droga, que falhou em
incitar as “vozes celestiais” em sua mente, pelas quais estivera esperando. Ele
deixou a mansão sentindo-se ligeiramente desapontado pelo fato de que o haxixe
não o deixara completamente enlouquecido.
O artista faminto
Embora buscasse o estilo de um nobre, Balzac já conhecera a pobreza.
Durante seus anos de “vacas magras”, ele morou num casebre sem aquecimento nem
móveis. Sem se deixar abater, o grande escritor providenciou a sua própria
decoração de interiores utilizando o poder da imaginação. Ele simplesmente
escreveu nas paredes nuas o que desejava estar vendo ali. Numa delas escreveu:
“Painel de madeira pau-rosa com cômoda”. Em outra: “Tapeçaria Gobelin com
espelho veneziano”. E, acima da lareira vazia: “Pintura de Rafael”.
O esquálido sótão em Paris onde Balzac morava ficava no último andar de
um prédio, numa das áreas mais perigosas da cidade. Para um homem com seus
apetites, tais condições devem ter sido particularmente árduas. Ele era tão
pobre que a maior parte das suas refeições consistia de um pãozinho amanhecido
embebido em um copo de água. Um livreiro de Paris certa vez rescindiu sua
oferta por um romance de Balzac depois de ver o decrépito apartamento. Em outra
ocasião, um ladrão tentou roubá-lo forçando a tranca da sua escrivaninha.
Acordando de seu cochilo, Balzac limitou-se a rir. “Que chances você tem de
encontrar dinheiro numa escrivaninha à noite”, ele disse, “quando o
proprietário legal jamais consegue encontrar algum durante o dia!”.
Substância preciosa
E ainda se fala em retenção de líquidos... Balzac revelou aos amigos
que, quando praticava sexo, ele preferia não ejacular, por medo de que isso
pudesse esgotar a sua energia criativa. “Carícias e jogos amorosos estariam
bem”, um confidente relatou, “mas somente até o ponto da ejaculação. Para ele o
esperma significava a emissão da mais pura substância cerebral e portanto a
ejaculação seria uma filtragem, uma perda através do membro, de um ato de
criação artística em potencial”. Ou, como o próximo Balzac certa vez colocou,
depois de atingir o clímax durante uma relação sexual com uma das suas muitas
amantes: “Esta manhã eu perdi um romance!”
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