Por Fran Pacheco, na fila do gargarejo do Cine Guarany
Para início de conversa, ruborizadas senhorinhas, boceta vem do provençal boiseta e ainda conserva em Portugal e alhures o castiço significado de “caixinha” – mormente aquela que se usa para cheirar rapé. Mas ninguém aqui cogita de fungar o rapé da boceta de ninguém, embora o assunto em tela seja sacanagem – sem se recorrer ao humor fácil (ou de vida fácil?).
Momento Caderno 2
Foi a mitológica, arquetípica e criada do barro Pandora (“a mulher de todos os dons”), em tempos imemoriais, habitados por gregos, quem primeiro abriu sua caixinha de maldades, liberando todas as desgraças do mundo. Deu no que deu. A “Boceta de Pandora” tantas fez que caiu na boca do povo, na peça de Wedekind, na ópera de Berg e na tela do cinema, em diversas encarnações, sendo a de Pabst (estrelada por Louise Brooks e seu inesquecível channel) até hoje a versão standard no inconsciente coletivo cinéfilo.
Do cinema veio outro mito que paira sobre o cenário político atual: a “Garganta Profunda”. Como sabem as calejadas mãos dos scholars da ars pornographica, a angelical Garganta (encarnada pela desinibida Linda Lovelace no clássico de 1972), certa feita descobriu que tinha o clitóris no lugar da úvula (aquele pinguelo nas entrada da garganta). Nota pertinente: que fique estabelecido d’uma vez por todas que é clitóris e não clítoris. Independente do tamanho.
A descoberta da mutação marota fez com que La Lovelace colocasse a boca no mundo (ou todo mundo na boca, melhor dizendo), inspirando os jornalistas do NYT, Bob Redford e o pequeno Dustin Hofmann (vulgo Tootsie) a batizarem seu alcagüete de Garganta Profunda, no escândalo sexual conhecido como “Todos os Homens do Presidente”. (O absinto bateu. Faço as correções factuais outro dia.)
Yes, nós temos Gargantas
Trazendo a mitologia greco-noviorquina para o lado de cá do Equador, fica evidente que o Bananão deve muito aos e às Gargantas. Seja o irmão aluado que num surto contou tudo sobre o presidente collorido; o motorista que expôs as misteriosas idas e vindas na Casa da Dinda; o alto funcionário tarado - preso por matar a esposa - que entregou os Anões do Orçamento; a mal-amada, que está em todas, ou o ex-genro que revelou as peripécias do Juiz Lalau, enfim, um panteão de tipos díspares, abarcando todo o espectro do (mau)caráter humano. A PF morou na filosofia e não por acaso batizou de “Caixa de Pandora” a operação que defenestrou o Arruda e sua careca do Palácio do Buriti.
O problema é que essa é uma profissão de risco e sem estímulo – exceto uns tapinhas nas costas, se o Garganta tiver sorte. Mais provável é ter a goela cortada. Dese jeito, que enlevo terão os futuros Gargantas, para filmar as miríades de negociatas ora em curso, com suas maravilhosas micro-câmeras? A bem do registro histórico, tudo deveria ser meticulosamente gravado, tanto por quem dá quanto por quem recebe – e que mais cedo ou mais tarde, na primeira "divergência política", uns divulguem as imagens contra os outros e se comam vivos.
Somente com muita bagagem um mero Garganta pode ser promovido a Pandora, com sua caixinha de maldades abarrotada de fitas VHS, cassetes de ligações grampeadas, memorandos comprometedores, comprovantes de transferências, depósitos e aberturas de contas no estrangeiro, e o filé-mignon, os robustos dossiês contra seus pares. Quanto maior a boceta, maior o estrago.
Será o smartphone do Brahma a nossa primeira Pandora eletrônica? Será que, quando sua garganta digital for totalmente decifrada, baixaremos mais fundo rumo à infâmia absoluta? Acho que já baixamos, ô bacana. Só não sabemos em que andar do subsolo fomos parar. Quem sabe descubramos quando numa dessas CPIs a Pandora abrir de vez a boceta.
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P.S. Tanto Linda como Louise já deixaram o mundo fenomênico para trás. Sorte a minha. Com licença, que eu vou cheirar rapé.
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