terça-feira, 3 de março de 2015

ABC do Fausto Wolff (Parte 57)


PERVERSÃO – No verbete “Parafilia” dei alguns exemplos de perversão (notem: não falei de corrupção, pois quem entende disso são os nossos ministros), mas em se tratando do ato sexual, eles são milhares.
Diante disso é interessante notar que em todas as épocas a perversão mais perseguida foi a punheta ou siririca.
Isso se deve, provavelmente, ao fato dela ter sido praticada em todas as civilizações e até mesmo por Adão, antes de Eva pintar no pedaço, quando não tinha nenhum bicho dando sopa.
O sexólogo Alex Comfort (que andou até explicando sexo para crianças) fez uma pesquisa e notou que durante mais de vinte séculos, até os dias de hoje, a medicina informou que punheta pode causar pneumonia, dispepsia, cegueira, vertigens, epilepsia, perda da memória, histeria, asma, melancolia, loucura, paralisia e morte.
Ah, ia esquecendo: também faz crescer pentelhos nas palmas das mãos.

PETRÔNIO, Arbítrio (12-66 d.C.) – Sacanólogo oficial do imperador Nero e provavelmente autor do Satiricon, uma obra de arte da qual restam apenas alguns fragmentos que Federico Fellini tentou remendar, adaptar para o cinema e quebrou a cara.
Autor do que pode ser considerado o primeiro romance da civilização ocidental, Petrônio foi também o cronista social do século I da era cristã.
Um cronista social bem menos hipócrita que seus coleguinhas modernos, pois que deixou relatada detalhadamente a vida sexual da classe dominante e, em particular, a do imperador.
Embora escrevesse direitinho, não devia ser flor passível de cheiro, pois era cafetão.
Tácito diz que ele comeu todas as mulheres comíveis de Roma. Como o seu Satiricon é cheio de romances de rapazinhos na cama com outros rapazinhos, não se pode afastar a hipótese dele eventualmente entornar uma baguete. Ainda segundo Tácito, “ele passava os dias dormindo e as noites gozando os prazeres da vida”.
Entre um poeminha e outro ele bolava sacanagens para Nero pôr em prática. O imperador, como quem leu seu verbete sabe, traçava tudo em todas as posições. Desde aquela do dragão míope até a da lagosta com caspas.
Animal, vegetal ou mineral que fosse para a cama com o gordinho piromaníaco (ou gordinha piromaníaca, segundo versão de membros viris da sua guarda pessoal) tinha que ser aprovado antes por Petrônio.
Profissional do bom viver, vivia numa boa até que – verdade ou intriga da CUT e da CGT – decidiu conspirar contra Nero lá pelo ano de 66.
O imperador devia estar bem humorado no dia em que descobriu a traição do seu cronista sócio-sexual, pois em vez de mandar cortar-lhe os badulaques, informou gentilmente:
– Petrônio, minha flor, você é muito bonzinho e como eu gosto de você, vou te dar uma colher de chá. Tens vinte e quatro horas para te suicidar. Passar bem e boas festas.
Nosso herói foi para casa e passou o dia inteiro no banho, abrindo e fechando as veias dos pulsos enquanto batia papo com amigos, amigas e fãs em geral. Um profissional, devo reconhecer.
Quando sentiu que lhe restava pouco sangue no corpo, sentou o rabo num banco e começou a escrever um relatório de todas as sacanagens sexuais e políticas praticadas por Nero. Morreu numa boa.
Só pra dar uma ideia a vocês do bom humor do cara, eis um versinho pinçado do Satiricon, onde Enclopius, descobrindo-se broxa, incrimina o pau: “Vítima de terror mais frio que o mais gelado inverno, ele se escondeu no fundo dos meus pentelhos. Perdido entre mil rugas, como levantar sua cabeça para castigá-lo?”
Não é poesia moderna, mas, em compensação, também não rima. Pequena, porém, mole.

PHALICA, Adoração – Bloco dos adoradores do caralho. Escrevi com ph para ficar mais fino. O caralho vem sendo adorado religiosamente há mais de 4 mil anos, quer no Egito, na Judeia, na Escandinávia, no baile do Scala G, do Guilherme Araújo, no Rio de Janeiro.
Adorar esculturas com falos enormes – segundo a crença popular – acabava com a impotência dos homens dos homens, com a infertilidade feminina e ainda protegia contra o mau-olhado.
Na Bíblia (Gênesis 24,2), Abraão pede ao seu criador: “Por favor, ponha a mão debaixo da minha túnica, pegue no meu pau e jure pelo Senhor, deus do Céu e da Terra”.
Os tradutores da Bíblia, evidentemente, substituíram a palavra pênis por coxa.
Quando vocês batem na madeira para afastar o azar, o que é que vocês acham que estão fazendo, realmente? Madeira é pau, bichos!

PHILIPE, Duque de Orléans (1640-1699) – Sujeito dos mais engraçados. Foi Voltaire que – para fazer vender o seu livro sobre os tempos de Luís XIV, o Rei-Sol – inventou que ele era o prisioneiro com a máscara de ferro, encerrado na Bastilha e quase dois séculos depois imortalizado por Dumas.
Em verdade nunca houve um máscara de ferro. Houve, isso sim, um prisioneiro italiano, acusado de traição – cujo nome não tenho tempo para procurar na enciclopédia –, que apareceu na Bastilha em 1698 com uma máscara de veludo negro.
E por que é que o Philipe decora as nossas páginas?
Pelo seguinte: ele era o irmão mais moço de Luís XIV, aliás, dois anos mais moço e muito parecido com ele.
Para que não rivalizasse com o irmão, sua mãe, Ana da Áustria, em vez de lhe tascar uma máscara de ferro na cabeça (não sobreviveria muito tempo) o educou como se fosse uma menina.
Pois o Filipe gostou do papel de Filipa: se vestiu de mulher quase toda a vida.
Perfumado, elegante e perucado, era macho e militar.
Segundo registros da época, liderava seus soldados nas batalhas com saia, sapatos de salto alto, uma gigantesca peruca negra e não usava chapéu para não desmanchar o penteado.
Segundo sua mulher, ele tinha mais medo do sol que poderia queimar sua pele alvíssima que das balas dos mosquetões que enfrentava com coragem inusitada.
Aparentemente nunca entregou o anel ducal, embora tivesse o físico do rolo.

PÍLULA, A – Controla a natalidade e sua aparição no menu da burguesia causou, certamente, a maior revolução da história do século XX, o que inclui a revolução russa, a chinesa e a cubana. Foi aparecendo e dizendo “virgindade, você não passa de um tabu”. O mulherio passou a dar com maior disposição e muito menino não teria nascido filho da puta caso houvesse nascido antes da descoberta dela – a pílula. É que as mulheres casadas, sem o temor de engravidarem, também passaram a ornamentar as testas dos maridos com incrível non-chalance.
Mas, voltando à pílula: ela previne o desenvolvimento dos óvulos e suas consequências posteriores. Um meio realmente efetivo de controle da natalidade, desde que a leitorinha que me honra não esqueça de tomá-la.
Uma pílula deve ser tomada todos os dias durante vinte e um ou vinte e dois dias durante o ciclo de vinte e oito dias.
Algumas mulheres, infelizmente, não se dão bem com elas e enjoam com facilidade, e elas só são vendidas sob prescrição médica porque podem ser perigosas para algumas freguesas com predisposição ao câncer e à coagulação sanguínea.
Apesar dela, o mundo marcha para a superpopulação, o que significa que vocês do século XXI que me lêem, não terão uma chance de me lerem sozinhos por absoluta falta de espaço.

É claro que – lembrando Toynbee – a Terceira Guerra Mundial é uma solução que não pode ser posta de lado.

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