RABELAIS,
François (1484?-1553) – Dois caras que quanto mais
investigo menos descubro sobre suas vidas, são Rabelais e Hieronymus
Bosch. Não fosse pelos livros do primeiro e pelos quadros do segundo
daria para desconfiar que nunca existiram.
De
Rabelais, por exemplo, se sabe que foi um monge franciscano que virou
beneditino. Se foi expulso pelos franciscanos ou se preferiu
beneditar a franciscar, a História não registra.
Dizem
que perto do fim da vida estudou medicina, mas se desconhece o nome
de qualquer pessoa que tenha curado. Está aqui porque escrevia
histórias de sacanagem e foi protagonista – embora não confesso –
de muitas das suas narrativas.
Se
o marquês de Sade houvesse lido Rabelais com maior atenção,
certamente não se levaria tão a sério, substituiria a dor pelo
humor e não acabaria a vida entre os malucos do hospício de
Charenton.
Rabelais
sacaneou muita gente e seguramente teria acabado em cana não fosse
um cara tão cheio de charme a ponto de se tornar chapinha do rei
Francisco I e da rainha Margarida de Valois.
Parece
que a dupla real fazia pipi nas calças ouvindo as histórias desse
monge do qual o descendente mais moderno é o fradinho baixinho do
Henfil, talento assassinado em 1988 pelo governo brasileiro, que lhe
vendeu sangue infectado com o vírus da AIDS.
O
trabalho mais conhecido de Rabelais, escrito em estilo
idiossincrático e debochado, são os cinco volumes que compõem As
Grandes e Heróicas Aventuras de Gargantua e Pantagruel, que –
está na cara – foram condenadas pela Sorbonne e pelo papa de
plantão.
Ao
narrar escatologicamente os bodes que criaram o gigante Gargantua,
seu filho Pantagruel e o companheiro de farra, Panurge, Rabelais usou
o sexo para desmascarar a mesquinhez e a hipocrisia dos poderosos; os
mesmos poderosos que assariam, quase cinquenta anos depois, numa
fogueira em Roma, outro frade, este dominicano, chamado Giordano
Bruno, pelo crime de dizer que a terra girar em torno do sol era mais
natural que a Santíssima Trindade.
Vou
dar um trailer rabelaisiano. Panurge, um grande gozador
(desconfio que Shakespeare bebeu no vinho de Rabelais para criar o
seu Falstaf), tem um ataque de TG (tesão galopante) ao ver uma
senhora da alta sociedade parisiense sair da missa. Aproxima-se
galantemente e informa:
–
Madame, seria de grande benefício para a humanidade, delicioso para
a senhora, honroso para a sua descendência e, principalmente,
necessário para mim, que eu a cobrisse a fim de propagar a minha
raça.
A
dondoca, completamente despida de senso de humor, manda o bom Panu
procurar a turma dele. Ele, porém, não desiste:
–
Garanto-lhe, madame, que bastaria olhar uma única vez para a minha
magnífica mortadela...
Não
consegue terminar a frase, pois leva um tapa na cara. Não perde
entretanto a postura:
–
Deusas e deuses celestiais, como seria feliz o homem que a tivesse em
seus braços e pudesse tocar, mesmo que de leve, o seu presunto na
sua presunta...
A
esta altura a mulher começa a berrar e o sacana dá no pé. Domingo
seguinte, porém, disposto a demonstrar a paixão que sente, chama a
mulher para um canto. Ela, pensando que ele irá se desculpar, se
aproxima. É quando Panurge abre o seu casaco e lhe mostra a peça
duríssima:
–
Olhe como a senhora me deixa.
Ela
recomeça o berreiro e Panurge finalmente se convence de que a sua
paixão não é correspondida. Foge e planeja a vingança.
Primeiramente
mata uma cadela no cio. Depois faz das chamadas partes pudendas da
bichinha uma espécie de pó.
No
domingo seguinte, na igreja, joga o pó sobre a mulher que o
desprezara, apesar dos seus bons modos. O cheiro do pó atrai para
dentro do templo quase todos os cachorros de Paris, que se jogam
sobre a madame.
Os
que fizeram menos cheiraram e lamberam, os que fizeram mais a
mijaram, isso para não falar dos que tentaram conhecê-la
literalmente. Antes que a grã-fina pudesse se trancar em casa, ela
havia atraído 600.014 cachorros.
Certamente,
um exagero de Rabelais. Provavelmente não foram mais que uns
quatrocentos cães.
Atenção
e muito respeito, senhoras da alta sociedade carioca: Nataniel Jebão
tem a receita do pó de Rabelais.
RAIS,
Gilles de (1404-1440) – Barão, marechal de França,
riquíssimo senhor feudal. Se distinguiu aos dezoito anos como
soldado corajoso e leal, lutando primeiro nas guerras pela sucessão
no ducado da Bretanha e, posteriormente, a favor da duquesa de Anjou,
contra os ingleses. Foi designado para assessorar Joana d'Arc e lutou
heroicamente em muitas batalhas ao lado dela. Libertou Orleans junto
da camponesa de Dorémy (que virou Santa) e consagrou Carlos VII, que
o promoveu a marechal aos trinta anos.
Continuou
servindo como guarda-costas de Joana quando Paris foi atacada. Depois
da prisão dela ele ainda tentou libertá-la inutilmente. Como todos
sabem, ela acabou assada pela Igreja.
O
jovem marechal voltou para o seu condado, onde fundou a capela de
Machecoul e com seus soldados encenou para a população a batalha de
Orléans. Sua bela mulher, Catherine de Thouars, o esperava em seu
fabuloso Castelo na Britânia.
Era
dono de uma quinta parte das terras de França, que havia herdado de
seu pai e do seu avô materno. Sua corte era mais esplendorosa que a
do rei e gastava dinheiro a rodo com a manutenção de centenas de
criados, soldados e padres.
Além
disso, era um mecenas da música, da literatura e das artes
plásticas. Se dava ao luxo de ser um senhor feudal justo, boa-pinta,
inteligente e amado por todos os moradores do seu domínio.
Agora
eu pergunto: como que o dono de tão belíssima biografia foi
condenado à morte e enforcado? Eu mesmo respondo: parece que era um
mau entendido, ou seja, uma bicha muito ruim.
Aliás,
botem ruim nisso: a bicha mais ruim da história da humanidade.
Assim
que se retirou para o seu castelo, crianças de cinco a quinze anos,
de ambos os sexos, começaram a desaparecer das redondezas. E
continuaram desaparecendo durante mais de cinco anos (1435-1440).
No
princípio, por incrível que pareça, ninguém reclamou. O sacana
raptava, violentava e depois desmembrava os corpos dos infantes.
Dava, evidentemente, preferência aos meninos, cujos pauzinhos comia
como churrasquinho depois de matá-los.
Ficou
impressionado com a vida dos imperadores romanos e quis superá-los,
coisa que conseguiu, pois era infanticida, necrófilo, pederasta,
satanista e sacrílego.
O
pessoal podia adorar o seu senhor mas não era tão burro a ponto de
aceitar calmamente o desaparecimento de mais de oitocentas crianças,
sempre nos arredores do castelo.
Acabou
sendo preso em 1440, julgado perante o tribunal eclesiástico de
Nantes e, posteriormente, pela corte civil.
A
princípio o monstrão sabia do seu poder – ele se recusou a tomar
conhecimento das denúncias.
Quando
porém, foi ameaçado com a excomunhão – vai ver que tinha medo de
ir para o inferno, pois era um bom católico, que rezava e comungava
todos os dias em sua capela particular com seus padres particulares
–, reconheceu a autoridade da Corte, mas se declarou inocente.
Foi
condenado por heresia pelo tribunal da Igreja e sentenciado à forca
pelo tribunal civil.
Sua
confissão, seu arrependimento e a resignação com que deixou que
lhe enfiassem o laço do carrasco no pescoço fez com que fosse
aclamado como um exemplo de ovelha perdida que volta ao rebanho de
Cristo.
Antes
de morrer se proclamou católico temente a Deus e o que é mais
incrível: a população feminina, principalmente, dos seus domínios
implorou que não o matassem!
Há
quem diga, porém, que o duque de Bretanha estava interessado na sua
ruína financeira e que ele só confessou debaixo de tortura. E o
pessoal torturava para valer naquela época!
Só
não torturava tanto quanto os gorilas do DOI-CODI, no Brasil, porque
ainda não haviam descoberto a eletricidade. Em suma, não levou
choque nos culhões. Mas, porra, que fim levaram as oitocentas
crianças?
RASPUTIN,
Grigori Jefimoviteh (1871? - 1916) – Deste se pode dizer
tudo, menos que fosse hipócrita ou que jogasse água fora da bacia.
Era metido a mágico, mas não escondia. Aliás, comparado com ele, o
Tartufo, de Molière (boa a tradução do Guilherme de
Figueiredo, devo dizer), não passa de um sacaninha pé-de-chinelo. A
começar pelo seu nome: Rasputin, em russo, quer dizei debochado. Em
português, rasputinha, provavelmente, quer dizer amante do ditador
de plantão.
Aos
vinte anos de idade e quase dois metros de altura, decidiu que queria
ser santo. Escolheu uma religião à altura do seu talento: uma seita
chamada Khistly, cujo lema era “Peque porque você talvez seja
perdoado”.
Ué,o
Gilles de Rais, depois de matar oitocentas criancinhas, não medrou
na hora de ser excomungado por temor de não ir para o céu? Antônio
Carlos Magalhães, Roberto Campos, Delfim Netto, Newton Cruz, Celso
Furtado, Moreira Franco, Saulo Ramos, Rubem Medina, Paulo Maluf,
Ernesto Geisel, João Figueiredo, Walter Pires, Brilhante Ustra,
entre outros, não são todos bons cristãos? Qual é o espanto? Mas
rasputearei.
Os
maluquetes da seita Khistly passavam os dias e as noites dançando e
se chicoteando. Depois de bem dançados e chicoteados iniciavam os
negócios sérios: tremendos bacanais que duravam semanas. Bons
bacanos.
Como
Rasputin dava cinco sem tirar e podia escalar várias mulheres numa
só noite, logo se tomou líder do grupo e passou a ser conhecido
como “o monge grande, porém, duro”.
Sua
primeira providência foi expulsar todos os homens da seita a
porradas. Em seguida perambulou anos pela Rússia acompanhado de
algumas dezenas de mulheres. Ele pregava, curava e organizava surubas
monumentais, tudo em nome de Deus.
Eu
disse que ele curava porque, aparentemente, tinha um poder energético
tão grande que bastava pousar a mão sobre a parte doente do corpo
do cara que pedia o seu socorro para curá-lo. Parece, também, que
não cobrava nada dos pobres e havia muitos pobres na Rússia do seu
tempo.
Em
1903, ele pintou com o seu mulherio em São Petersburgo, onde foi
apresenta-do a uma grã-fina doidinha (as pobres têm seu valor, mas
uma ricaça boa, cheirosa e limpinha vale muito mais), dessas que
vivem em cartomantes, sessões espíritas, consultam horóscopos,
búzios, cuidam do biorritmo e hoje em dia dividem seu tempo entre o
psicanalista e o pai-de-santo quando não estão corneando o marido.
De
cara ele curou a caganeira do cachorro da duquesa Militsa (este o
nome da grã-fina) e daí por diante se colocou na posição que o
diabo gosta. Passava os dias enchendo a cara, trepando e curando, não
necessariamente nesta ordem.
Acabou
sendo apresentado ao czar (vem de César, que, por sua vez, quer
dizer tesoura em inglês) Nicolau e à mulher Alexandra, que recém
havia dado à luz um menino hemofílico que os melhores médicos da
Corte haviam desenganado. Pois não é que o Rasputin fez com que o
garoto melhorasse a ponto de convencer a czarina que ele era o único
homem do mundo que podia manter o filho dela vivo?
Mal-educado,
bêbado, sujo, barba longa e ensebada, fedendo, ele fazia o que
queria numa corte corrompida e decadente que logo logo, com Lênin,
veria o que era bom para a tosse, bronquite, rouquidão.
Sua
influência sobre Alexandra era tamanha – uma vez, de porre, ele
disse que a havia comido – que em 1900 ela lhe escreveu numa carta:
“Meu amado mestre, redentor e mentor, eu gostaria de morrer
dormindo sobre seus ombros”. E não era pelo tamanho dos ombros que
Rasputin era conhecido.
Comeu
metaforicamente quase todas as mulheres comíveis de corte, que lhe
lambiam os dedos após ele haver comido literalmente, como sempre
fazia, seus alimentos com as mãos. A polícia secreta, por ordem de
membros moles e invejosos do governo, passou a vigiá-lo e reportou
que em sua casa viviam entrando e saindo princesas e prostitutas.
Deduraram
Rasputin para Alexandra, mas ela os chamou de detratores e os mandou
ler os apóstolos, que “também beijavam as pessoas como forma de
cumprimento”.
Um
belo dia, porém, o príncipe Yusipov decidiu matá-lo. Não de homem
para homem, pois o bicho era mais forte que um cavalo.
O
príncipe e mais um bando de canalhas da extrema-direita russa o
convidaram para um jantar à base de vinho Madeira e tortas recheadas
de cianureto. Rasputin comeu e bebeu veneno suficiente para matar
cinco elefantes e pediu mais. Deram-lhe cinco tiros. Ele não pediu
mais. Limitou-se a cair sem perder os sentidos. Mas não morreu.
Tiveram que botá-lo num saco, ainda com vida, e afogá-lo no rio.
Era
casado e tinha três filhos medíocres. Quem morreu logo depois dele
foi o príncipe, filho de Nicolau e Alexandra.
O que se passou em
seguida, em 1917, todo mundo sabe.
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