terça-feira, 6 de março de 2012

Berlim é uma festa


Ivan Pé de Mesa, de Berlim

Da primeira vez que vim a Berlim, apesar de não ser Marco Maciel, passei o reveillon em cima do muro. Literalmente. Estávamos bebemorando o fim da divisão de uma das cidades mais interessantes do planeta. Divisão esta imposta pelos comunistas no ano da desgraça de 1961.

Esse reveillon da reunificação foi o de 89/90. E foi uma farra só. Champanhe da melhor procedência sorvido no gargalo. Oferecido por gentes as mais diversas. A lambada brasileira animando os foliões. O famigerado Muro sendo destroçado e seu reboco sendo carregado como souvenir por milhares de pessoas advindas de toda parte do globo.

Voltei alguns anos depois em outro momento importante da vida alemã. O dia primeiro do ano que marcou a morte do marco (não o Maciel, mas a moeda) e o nascimento do euro. A nova moeda européia, que já nasceu forte, batendo de cara com mister dólar. Transição tranqüila, apesar das sinistras previsões perpetradas por nossos economistas de plantão, capachos que são do Tio Sam. Capachismo, aliás, que os argentinos adotaram cegamente e fudeu no que deu.

Estou de volta agora, quando o euro está pela hora da morte e algumas economias europeias já estão pedindo penico. Depois dos gregos e islandeses, espanhóis e portugueses parecem ser a bola da vez. Abaixo, mais algumas impressões digitais da passagem desse seu criado por Berlim e outras cidades da terra de Marx, de Freud e do chucrute.


Berlim é uma cidade em obras. É construção por tudo quanto é canto. Pradonde você olha tem um guindaste, uma grua, um tapume atrapalhando sua visão. Principalmente na parte oriental. Os comunistas não deixaram pedra sobre pedra. Literalmente. Se reconstrói museus, estações de metrô, igrejas, monumentos. Menos o de Lênin, onde até uma placa que lembrava sua passagem pela universidade Humboldt foi arrancada pelos alunos, tal a mágoa que ficou pelo mal que os comunas fizeram à vida dos berlinenses.

Como eu dizia, Berlim é um grande canteiro de obras. E bota obras nisso. Depois das de construção civil as obras mais encontradas são as de cachorro. Estão em toda parte. Avenidas, ruelas e becos. As calçadas são povoadas por tijolaços expelidos pelos verdadeiros bezerros que os berlinenses criam como se fossem cãezinhos de pelúcia. Pastor alemão aqui é pequinês. E eles estão em todo canto. Supermercados, lojas, bares – que aqui chamam knaipes. Você vacilou, plaft!, tá com o pé atolado na bosta. Sai-te!


Na sexta-feira passada, fui fazer umas compras básicas em uma loja de produtos Lush, importados da Inglaterra, e as vendedoras me receberam só de avental, sem nada por baixo. Fiquei intrigado. Em um inglês macarrônico, uma delas me explicou que tratava-se de um protesto pelo excesso de embalagens nos produtos de beleza e higiene pessoal. Não entendi direito, mas uma delas ficou de passar no meu apartamento para explicar os detalhes do protesto. De preferência, sem avental, evidentemente. Depois eu conto os detalhes tão pequenos de nós dois. Ou de nós três, se aparecerem duas vendedoras.


Quem disse que alemão não brinca carnaval? Não chega a ser uma Olinda, mas em vários lugares há referência ao tríduo momesco e até realização de bailes e desfiles carnavalescos. O mais famoso é o carnaval de Colônia. Tive a sorte de conhecer a abertura da festa num espaço imenso, que funciona numa antiga cervejaria reformada para fins culturais - por falar nisso, quando a nossa Tacaruna sai do papel? Na realidade eram esquetes teatrais, tendo o carnaval como tema, mas com muita crítica política. E pesada! Não escaparam Bush, Tony Blair, Bin Laden. Até o Papa foi impiedosamente ridicularizado.


Mas o melhor tava por vir. Como adivinhando minha presença na platéia – pretensioso! -, os caras criticando o prefeito propunham um convênio com o Rio de Janeiro, numa tentativa de melhorar o carnaval de Colônia, já que nós temos mais know-how(sic). E a festa terminou apoteoticamente com uma escola de samba – pelo menos o que eles imaginavam ser – adentrando a platéia. E a bandeira da escola era uma espécie de fusão da brasileira com a de Colônia. Aí a zorra comeu no centro. De Aquarela do Brasil a Garota de Ipanema a orquestra muito da boa, por sinal – atacou de um tudo quanto é hit de nossa MPB. E tome os galegos a pular e a cantar, num final festivo do muito bem produzido e engraçadíssimo espetáculo que durou mais de quatro horas. E eu ali, orgulhoso, exclamando aos quatro ventos: "Ich bin Brasiliener!"


Por falar em carnaval, Berlim também dá suas tacadinhas. Não tão animado ou famoso como o de Colônia. Mas manifestações isoladas em alguns bares e clubes são freqüentes. Conheci um desses bares e tive algumas vivências surpreendentes. Vou passando na Gneisenaustrass, uma das ruas mais simpáticas de Berlim, e me deparo com um neon piscando: "Muvuca". Era uma construção antiga, como um mercado em semi-ruínas – coisas típicas de Berlim. Lá dentro funcionavam alguns estabelecimentos. E entre eles esse bar. Tudo que é bicho grilo tava lá. Pedi uma caipirinha de Pitú, que viraram – a Pitú e o drinque – moda porraqui. Em todos os supermercados você encontra a garrafinha de 500 ml pela bagatela de 25 reais, enquanto uma "caipira" fica na faixa de 15 paus.

Como demorava a sair, fui reclamar no balcão. Arrisquei o português: "Pô, faz meia hora – menti – que pedi uma caipirinha e até agora nada". De trás do balcão uma voz feminina responde, também em brasilianês: "Se avexe não, que tá quase pronta!". Daí em diante, só rolou Cartola, João Bosco e – em minha homenagem – Jackson do Pandeiro. Dá pra tu? A garçonete, uma carioca típica que atendia por Zezé, não saía mais de minha mesa e de vez em quando ainda descolava, como cortesia, uma caipirinha pra mim e pra Michel, um alemão porreta que me acompanhava noitada a dentro.


Pois no Muvuca estavam espalhados cartazes, folders e panfletos sobre um carnaval que acontecerá nos dias 18 de janeiro e 02 de fevereiro. Sabe como se chamava o bicho? "Carnaval Brasil Total 2011", com um subtítulo: "Live mit Boi da Caipora Doida". Agora, adivinhe meu orgulho ao ler , no rodapé, o letreiro: "Tribut to Chico Cience" (tava escrito sem o "s" inicial). Aí eu senti que estava em casa. Foi deitar e rolar, no bom sentido, até amanhecer o dia. É por essa e por outras que às vezes bate uma pontinha de orgulho em ser brasilianer. Pelo menos até o desembarque e o mergulhar de novo nesse mar de violência, roubalheira e impunidade, né não, José Sarney?


Ivan Pé de Mesa é o alter-ego mais conhecido do jornalista, caricaturista e humorista recifense Manoel Bione, editor do semanário Papa Figo

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