sábado, 17 de janeiro de 2015

ABC do Fausto Wolff (Parte 17)


DON JUAN – Don Juan Tenório, de uma ilustre família dos 24 de Sevilha, matou uma noite o comendador Ulloa, depois de lhe ter roubado a filha. Don Juan era um sedutor emérito, homem rico, altivo, de bom aspecto, se ria de Deus e do Diabo, não acreditava em porra nenhuma e não sabia o que era remorso.
Comendador Ulloa foi enterrado no convento de São Francisco, cujos monges convidaram Don Juan para uma visita e o mataram à traição. Fizeram correr o boato de que ele teria ido insultar a vítima no seu túmulo e que a estátua do velho o tragara e carregara para o inferno.
O personagem é lendário, mas deve ter existido. Pessoalmente, creio que nenhum outro despertou tanto a curiosidade de tantos artistas.
Desde Tirso de Molina (1561-1648), que inspirado em Don Juan escreveu a comédia El Burlador de Sevilla, até Lorde Byron, passando por Villiers, Dorimand, Dumesnil, Corneille, Shadwell, Antonio Zamorra, Molière, Goldoni, Gluck, Righini, Alexandre Dumas, Zorrilla, Holtei, Grabbe, Wise, Ponte, Mozart, para citar apenas os mais conhecidos, que Don Juan vem servindo de motivo para dramas, comédias, óperas e, naturalmente, no século XX, filmes.
Sem nenhuma base científica, eu ousaria dizer que Shakespeare só não aproveitou a história de Don Juan porque viveu antes dele, se é que ele viveu alguma vez.
De qualquer forma, Molina, o primeiro a usar Don Juan Tenório no teatro, era uns trinta anos mais jovem que o pai de Romeu, Julieta, Hamlet, Macbeth e tantos outros amantes infelizes.
Por que estou dedicando um verbete a Don Juan? Só porque ele raptou uma donzela e matou seu pai? Não, minha senhora. O homem era fogo. Ou melhor: com ele era foda!
Kinsey descobriu em sua longuíssima pesquisa que poucos homens foram para a cama com mais de cem mulheres.
Mas houve um sujeito na Inglaterra vitoriana chamado Walter que teria comido 1.002 mulheres.
Giacomo Casanova Veneziano teria chegado a 1.203, o que é brincadeira comparado ao recorde de Don Juan: 2.065 donzelas raptadas e devidamente executadas até a noite em que os monges do convento de São Francisco botaram a piroca, bem como o corpo de Don Juan que estava ligado a ela, para descansar.
No carnaval de 1952 – não lembro o nome do autor – surgiu no Rio uma marchinha que dizia “Fidalgos, fechai portas e janelas, que Don Juan é ladrão de donzelas”.

DOUGLAS, Lorde Alfred (1870-1945) – Eu estava em dúvida entre dismenorréia e ducha. Acabei ficando com o lorde Douglas, porque ninguém perde nada em continuar ignorando o que é dismenorréia e ducha é ducha mesmo. Dizem que certas dachas têm duchas, mas creio que isto logo acabará, agora que Gorbachev provou que o comunismo é possível na Rússia.
Nossos jornalistas mais babacas e a direita mais reacionária, feita de gorilas que se fazem chamar de falcões, acham que a Rússia abriu as pernas para o capitalismo quando ela apenas está começando a exercitar o comunismo.
Mas voltando ao lorde Douglas: ele aparece aqui porque estava impaciente no limbo batendo o pezinho e perguntando: “E a boneca aqui, quando vai ser verbetada?”
Alfred Douglas foi apenas um entre as centenas de maus poetas baitolas que a Inglaterra produziu e continua produzindo.
Mereceu levar uma verbetada no rabo porque entregava o anel para outro perobo – este bom poeta –, Oscar Wilde, que o chamava carinhosamente de Bosie.
O autor de O Retrato de Dorian Grey conheceu a bichinha, aliás filha do oitavo marquês de Queensberry, quando já tinha quarenta anos.
Ela, a Douglas, que desmunhecava tanto em criança que seus pais tiveram que amarrar seus pulsos, estudava em Oxford onde editava um jornal poético chamado The Spirit Lamp.
Viram?... O pessoal do jornal Lampião (que circulou no começo dos anos 80 aqui no Brasil e tinha entre seus diretores Aguinaldo Silva e Darcy Penteado), ao escolher o nome para a publicação, não se inspirou apenas no famoso cangaceiro.
Mas voltando à vaca que a esta altura já deve estar congelada: o negócio entre os dois foi amor à primeira vista mesmo. Douglas, porém, jogava tanta água fora da bacia que, de cara, Wilde foi obrigado a se livrar dum cara que o comia e ameaçava fazer chantagem.
As brigas, reconciliações, cartas de amor, telegramas e poemas dos dois eram famosos na Londres da rainha Vitória. Acabaram chegando a um acordo: em vez de brigarem por ciúme decidiram sair juntos à caça.
Costumavam dar esplêndidos jantares no restaurante Kettner, para cavalariços, soldados e prostitutos masculinos que passavam da cama de um para a cama do outro.
Pai de viado é como marido corno: é sempre o último a saber. Cedo ou tarde um cara, cujo sobrenome traduzido para o português quer dizer literalmente o frutinha da rainha, tinha que ter um fresco na família.
De modo que um dia alguém informou ao marquês de Queensberry: “Rapaz, tu abre o olho que o teu filho está entregando o anel de couro pro Oscar Wilde”. O velho ameaçou matar o poetão se ele não parasse de comer o poetinha.
Chegou até a ir falar com a mulher do poetão, que era casado, tinha filhos, mas não tomava vergonha. A mulher do Oscar disse que também tentara persuadi-lo a deixar o esporte de “acrocar” no salame, mas em vão.
Na estreia da peça – uma das melhores, senão a melhor escrita no século XIX na Inglaterra – The Importance of Being Earnest (de tradução impossível), o marquês compareceu com um cestão cheio de legumes podres que jogou no palco, mas a nossa Oscarina, nem deu bola!
Só encheu quando o “sogro”, a quem nunca poderia dar netos, deixou um bilhete no Albermale Club, endereçado a “Oscar Wilde, que posa de sondomita” (é sondomita mesmo, revisor, porque o velho fruto da rainha não sabia escrever direito).
Vai ver porque era sodomita mesmo e não “posava de”, Wilde decidiu processar o pai de Bosie por calúnia e entrou bem, pois muitos garotos que haviam trabalhado na mesa e na cama dele foram ao tribunal confirmar: “O Oscarzão é chegado a um pepino”.
E o Oscarzão, em vez de se mancar, durante sua defesa declamou poemas em louvor do amante: “A sua alma passeia entre a paixão e a poesia” ou “como são belos os seus lábios de pétalas de rosa”. Esses poemas de merda, entretanto, não melhoraram a situação de Wilde, que foi condenado a alguns anos de trabalhos forçados.
A bichinha Douglas aproveitou para se arrancar da Inglaterra e passou o resto da vida entre Paris e Roma escrevendo maus versos e dando pacas. Troço chato!

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