segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

ABC do Fausto Wolff (Parte 9)


CATARINA, a Grande (1729-1796) – Está aí uma mulherinha pra feminista alguma botar defeito: pintou, bordou, cerziu, tricotou, crochetou, trepou, bacanalou, bestializou, barbarizou, transou, deu, comeu, escalou, enfim, vocês entenderam que ela era grande no esporte, não é?
Além disso, foi imperatriz da Rússia e – como a maioria das putas – devia ser simpática, pois, embora alemã de nascimento, era amada pelo povão.
Filha do príncipe Anhalt Zerbst, aos dezesseis anos casou com Pedro, o futuro Czar.
Um ano depois ela encheu o saco e informou à escandalizada corte, provavelmente numa linguagem mais refinada do que a do locutor que vos fala, o que, em síntese, seria o seguinte: “Há um ano que eu venho tentando, mas não há jeito de o Pedro me comer!”
Dito isto, passou a dar descaradamente para dois sujeitos: Saltykov e Poniatowski.
O que tinha de jeitosa tinha de descarada.
Deu tão abertamente que Pedro foi obrigado a bani-la do palácio.
Pra que a bichona foi fazer uma coisa dessas!
A massa ignara ficou puta dentro das calças: “Como é que é, Pedroca? Não comes a Catarina e ficas aí dando uma de machão?”
Resultado: Pedro foi destronado e a princesinha alemã colocada em seu lugar.
Rapidamente ela provou que sabia fazer duas coisas muito bem: felacio e política.
Fazia ambas con gusto.
Dizem as más-línguas – quero dizer: línguas não tão boas quanto a dela – que os oficiais de sua guarda pessoal que não fossem horrendos, eram parte do seu estábulo de garanhões.
Todas as noites, antes de dormir, ela selecionava um para lhe fazer companhia.
Se agradasse, o cara passava a ser amante oficial com todas as regalias até... a primeira broxada, ocasião em que era posto na reserva.
O negócio funcionava mais ou menos assim: ela dava um pulo ao estábulo de oficiais-garanhões de régua na mão.
Selecionava um, que mandava para o exame médico.
Depois do esculápio da corte dar o seu nihil obstat do ponto de vista físico, ela o mandava para ser provado por duas amigas e confidentes: a condessa Bruce e mme. Protassav, que, é claro, também eram da fuzarca.
Somente depois das duas dizerem “Pode ir, imperatriz, que é uma boa”, é que ela o nomeava ajudante-de-ordens para servir junto ao seu leito.
Também gostava de cachorros e cavalos e era tão vaidosa que depois de mandar fazer uma peruca deixou o peruqueiro três anos na cadeia para que não espalhasse a notícia.
Confessou na ocasião: “O defeito das bichas é que elas falam demais!”
O talento de Catarina como felatriz foi imortalizado nos móveis do palácio Gatchina, perto de Leningrado, que sobreviveu à revolução de 1917.
Num móvel, a imperatriz amada por seu povo aparece chupando uma iguaba.
O Estado de Santa Catarina não tem nada a ver com ela, que era grande, mas não era santa.

CELIBATO – No mundo pré-cristão já havia muitas restrições a sacerdotisas e sacerdotes transarem entre si ou com a plebe rude. A coisa, porém, funcionava mais para as mulheres-sacerdotisas do templo de Minerva e Diana (duas deusas que não eram chegadas ao sexo oposto).
Não existe no Novo Testamento nenhuma passagem que fale em celibato para os apóstolos.
Em verdade, a primeira vez que se exige a castidade dos padres é no Conselho de Elvira, na Espanha, no ano de 305.
Há muitas lendas sobre padres que corriam das mulheres como o diabo da cruz.
Eu, pessoalmente, nunca vi falar, em tempos modernos, de algum padre que tenha permanecido casto a vida inteira.
Trata-se de uma jogada inteligente da Igreja católica, que jamais abolirá o celibato para padres, salvo em casos muito especiais.
É que vestido com a batina, com aquela voz especial de seminarista, aos olhos do homem comum, o padre não é homem e nem mulher e está acima das coisas da carne.
Se não pensasse desse modo, nunquinha que o camponês deixaria sua mulher se confessar com outro homem.
Se o padre Alexandre VI, nascido Rodrigo Bórgia, aos sessenta e dois anos tinha uma amante de dezesseis, bem mais moça que muitos de seus filhos bastardos, imaginem o que não poderia fazer um padrezinho discreto do interior!
Um modo tranquilo do Vaticano assegurar a virgindade dos padres seria castrá-los ou parar de falar no assunto.
Fora da Igreja há alguns casos célebres de castidade e celibato: Immanuel Kant morreu virgem e sir Isaac Newton nunca foi para a cama com uma mulher (ou homem ou gato ou cachorro), o que pode não explicar seu gênio matemático, mas explica suas constantes dores de cabeça.
Bernard Shaw casou-se e, inquirido sobre os prazeres da vida sexual, respondeu: “Experimentei uma vez. Tedioso, ridículo e cansativo”.
Foi casado com mme. Bernard Shaw, mas nunca fuderam.

CENSURA – Em qualquer país razoavelmente civilizado, quando ela existe, é apenas classificatória, ou seja: determinados espetáculos só podem ser assistidos por maiores de dezoito anos. O Brasil, que ainda está fazendo vestibular pra nação, tem e não tem censura.
Não tem porque deram até uma festa (quando o deputado Fernando Lyra era ministro da Justiça), no teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro, para comemorar o seu fim.
E tem porque sempre que qualquer pessoa ligada à uma alta autoridade judiciária, legislativa, executiva ou clerical se sente “escandalizada” diante de obra escrita, falada, televisada, etc., a censura volta a ser acionada.
Foi assim por ocasião de um filme chatíssimo de Godard – Je vous salue, Marie –, que acabou não passando no Brasil.
Interessante que na mesma época a televisão apresentava um comercial no qual os três reis magos davam de presente para o menino Jesus um walkie-talkie e a Virge Maria piscava os olhos de felicidade.
Ninguém reclamou.
Eu disse que o Brasil está fazendo vestibular para nação porque não se pode considerar nação um país que impede quase 100 milhões de seus filhos de exercerem seus direitos de cidadania.
Daí a censura: uma instituição fascista composta de alguns senhores que se consideram sexual e politicamente superiores aos mortais comuns.
Imaginem que esses senhores passam o dia inteiro vendo obras perigosas que se fossem realmente tão perigosas já os teria transformado em verdadeiros maníacos homicidas.
De todas as censuras, a pior de todas é a autocensura.
Imaginem que quinhentos anos antes de Cristo, Sófocles escreveu uma tragédia na qual o personagem central, Édipo, além de matar o pai, Laio, casa-se com a mãe e tem filhos com ela.
Dois mil e quinhentos anos depois, Dias Gomes escreve uma novela de TV em cima da peça de Sófocles, só que nela o filho não vai pra cama com a mãe.
Progrediu ou não progrediu a autocensura?
Talvez mais perigosa que a autocensura seja a censura política.
O caso que me dá arrepios foi registrado no filme dirigido por Sydney Pollack, Os Três Dias do Condor, no qual o protagonista descobre uma trama da CIA para assassinar líderes políticos e dar um golpe no país.
Ameaçado de morte, ele busca refúgio na redação do New York Times, onde pretende denunciar tudo.
O filme acaba com ele entrando na redação e o espectador sem saber se o jornal faz ou não parte da conspiração.
Macaqueamos em tudo os Estados Unidos, menos no que eles têm de positivo.

Por que não colocamos na nossa Constituição a primeira emenda da Constituição americana: “Não se pode legislar sobre liberdade de expressão”?

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