quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

ABC do Fausto Wolff (Parte 22)


FANNY HILL – Em 1952 meu pai tinha uma barbearia na Avenida Farrapos, em Porto Alegre. A família morava nos fundos. Uma noite, meus pais haviam ido ao cinema, meus irmãos mais velhos a um baile (havia bailes, moças virgens, noivados e bons sambas naqueles tempos) e eu ficara em casa sozinho. Tinha menos de doze anos e comecei a mexer nas gavetas do salão de barbeiro e encontrei um Iivro. É este mesmo que vocês estão pensando: Fanny Hill ou Senhorita Volúpia.
Como não manjava picas de inglês, não sei se a tradução era boa, mas uma rápida olhada fez com que eu compreendesse que eu e a Fanny seríamos amigos durante muito tempo.
Poucos seres humanos bateram tanta punheta como eu dos doze aos quatorze anos lendo este livro proibido escrito por Henry Cleland em 1749 e que é, sem dúvida, a novela erótica mais famosa e mais publicada no mundo. Mais mesmo que a tradução de Richard Burton – o explora dor, não o ator que dividia o cobertor com Elizabeth Taylor – das Mil e Uma Noites.
Cleland a vendeu por vinte libras a um dono de livraria que logo compreendeu o tesouro que tinha nas mãos. Publicou o original e, em menos de um ano, ganhou mais de 10 mil libras. O livro imediatamente foi traduzido para dezenas de línguas e continua vendendo, pública ou clandestinamente, em todo o mundo.
A história é singela: trata de uma jovem que sai do campo para a cidade grande e acaba num bordel, onde se apaixona por um cliente. Até casar com ele a sacanagem deita e rola.
Confesso que me apaixonei por Fanny Hill, quase duzentos anos mais velha do que eu. A traía de vez em quando com a Lady Chatterley do D.H. Lawrence.
Só parei de homenagear Fanny e Lady Chatterley mais de duas vezes por dia quando uma senhora, mãe de um amigo meu, se apiedou das minhas olheiras e me levou pra cama dela. Poucas vezes fui tão feliz na minha vida.
Ah, ia esquecendo: em 1964 Fanny Hill foi publicado na Dinamarca, oficialmente. O editor foi processado e absolvido, o que fez com que um ano depois a Dinamarca se tornasse o primeiro país a abolir completamente a censura. Não é à-toa que vivi lá quase dez anos e tenho uma filha dinamarquesa.

FARAÓ – Botequim pé sujo na Rua do Lavradio, ao lado do famoso Bar Brasil e perto da Tribuna da Imprensa, de propriedade do China. É lá que às vezes me reúno com Machadão, Albino Pinheiro, Ferdy Carneiro, Chico Paula Freitas e outros membros da Academia Boêmia de Letras para conversar fiado e tomar caldo de feijão com cachaça Rainha.
Falar em cachaça Rainha, tremenda sacanagem a tua, hein, ô Severo Gomes, não ter dado nota 10 para ela. Este verbete, entretanto, não é pra falar do Faraó, cujo nome, decidi, é em homenagem ao melhor cartunista do Brasil – Nássara – e sua marchinha Ala-la-ô, mas pra falar de outro faraó, bem mais sacana.
Refiro-me ao Ramsés III, que viveu entre 1.200 e 1.100 a.C.
Por que eu sei que ele era sacana? Porque na biblioteca de Turim está conservado um papiro da vigésima dinastia egípcia.
É a história em quadrinhos mais antiga do mundo e é uma história em quadrinhos de sacanagem , pois alguns dos doze desenhos mostram o faraó sendo carregado para a cama por duas jovens. Uma terceira carrega a sua enorme piroca e uma quarta o aguarda no leito.
Rendo aqui minha humilde homenagem ao velho Ramsés que, em vez de uma história em quadrinhos de guerra (como os desenhos animados de televisão americanos que imbecilizam milhões de crianças diariamente), nos brindou com uma história em quadrinhos de sacanagem, no bom sentido, naturalmente.

FARUK I (1920-1965) – Deste só não se pode dizer que foi um pobre idiota porque foi um rico idiota. Era promíscuo, gatuno, glutão e temperamental. É incrível que o povo egípcio tenha aguentado este filho da puta como rei de 1938 a 1962.
Promíscuo porque, apesar de casado duas vezes e ter tido três filhas, comeu segundo ele – mais de 5 mil mulheres. As que não queriam dar ele mandava raptar e levar para um dos seus inúmeros haréns.
Nenhuma das mulheres com quem foi para a cama (nem ao menos uma atrizinha italiana de terceira com quem estava quando morreu em Roma) disse que ele entendia do riscado. É que embora tivesse 1,83m de altura e 136 quilos de peso, seu pauzinho perdia-se entre as banhas.
Gatuno porque não só roubava do povo em impostos como tinha mais de cem automóveis de luxo, todos pintados de vermelho. Mandou proibir que qualquer cidadão egípcio pintasse carros da mesma cor, para evitar ser aporrinhado por guardas por excesso de velocidade.
Além de roubar profissionalmente o suficiente para encher vários depósitos com dólares, libras, marcos, francos, ouro, prata e pedras preciosas, roubava também amadoristicamente. Pungou, por exemplo, a carteira de Winston Churchill e a espada com que deveria ser enterrado o pai de outro larapio, o xá Reza Pahlevi.
Quando não estava procurando o birro para comer mulherinhas que amarrava à cama, Faruk estava comendo comida. Pela manhã comia duas dúzias de ovos; à tarde peixes e massas; à noite, quilos de came e nos intervalos bombons e leite condensado.
Finalmente, era temperamental. Quando morreu um coelhinho, ficou com tanta raiva que esmagou um gato contra a parede.
Em 1952, quando o gordo sacana tinha trinta e dois anos, o povo do Egito o expulsou. Foi para a Itália onde depois de alguns meses o pessoal do Harry’s Bar, na via Veneto, quando o via aproximar-se com seus óculos escuros, bigode à Sarney e barrigão à Delfim Netto, comentava: “Finge que não vê; lá vem o chato do Faruk”.

Morreu num restaurante aos 45 anos, quando metia uma garfada de macarrão boca adentro. 
Sacana, já foi tarde.

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